quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Artistas do sertão

Wilker Sousa
wilkersouza@revistacult.com.br
Jornalista

Na região serteneja do Cariri, artistas locais reforçam a tradição do artesanato

Composta por 12 municípios do sertão cearense, a região do Cariri tem no artesanato uma de suas principais manifestações artísticas. Na esteira da efervescência cultural que toma conta da região durante os dias da Mostra Sesc, artesãos locais ganham maior visibilidade ante os olhares curiosos daqueles que tomam contato com suas obras pela primeira vez. Muitos desses olhares convergem para a sede da Associação dos Artesãos de Juazeiro Mestre Noza, localizada no antigo prédio da cadeia pública de Juazeiro do Norte, onde funciona desde sua criação, em 1985.

O nome é uma homenagem ao pernambucano Inocêncio Medeiros da Costa (1897-1983), o mestre Noza, cuja arte foi estimulada por Padre Cícero nos primórdios de Juazeiro. Fundada a cidade, Padre Cícero buscava desenvolver a economia local, incentivando os moradores a desenvolverem suas aptidões; e foi por meio desta iniciativa que Noza se tornou o primeiro artesão do município. Seu nome hoje catalisa os 275 artistas integrantes da Associação, entre membros efetivos e cadastrados. A diferença é que aos primeiros é conferido o direito de votar e de ser votado em pleitos realizados a cada dois anos. Esculturas em madeira ou argila, xilogravura, literatura de cordel, todas as obras são compradas pela associação, política que, embora dispendiosa, garante a renda de muitos artistas: “seria melhor que os trabalhos ficassem consignados, mas aí não teria mais artesãos porque a maioria tem como única fonte de renda a produção da arte popular”, explica Hamurábi Bezerra da Cruz, 39 anos, presidente da associação.

Dada a marcante tradição religiosa da região, predomina a arte sacra, como atestam as inúmeras representações de Cristo, da Virgem, dos santos, além, é claro, do Padre Cícero, cujo lugar na hierarquia divina parece ultrapassar o status de santo. Há, contudo, outros personagens recorrentes, com destaque para Luiz Gonzaga, Patativa do Assaré e Lampião. Os preços variam. Questionado sobre os valores, Hamurábi exibe desde as miniaturas de santos a R$ 5, até a escultura em homenagem a Luiz Gonzaga, recém-vendida a turistas norte-americanos por R$ 2.500.

Com o dinheiro das vendas aliado ao fomento estatal (a associação mantém um convênio com o governo do Ceará e o Ministério da Cultura), o intuito é manter viva uma tradição se arrasta por gerações, sem se deixar seduzir por “modernas” técnicas de aprendizado, conforme argumenta Hamurábi: “a gente se sente invadido quando chega alguém para dar oficinas de design, porque querem dizer para gente como tem que fazer. Acredito muito no que é nato. A gente precisa desenvolver a aptidão, mas ninguém pode ensinar o outro a ser artista.”

Não é por enricar

A 45 quilômetros de Juazeiro está o município de Nova Olinda. Ao chegar à cidade, quem procurar por um senhor conhecido por seus trabalhos em couro logo será conduzido à oficina do mestre Espedito Seleiro. Mais do que um apelido, “Seleiro” é uma herança paterna, pois era seu pai quem produzia selas para os vaqueiros da região, inclusive para o bando de Lampião. Quando o pai faleceu em 1971, Espedito já havia aprendido o ofício e o transmitiu aos seus irmãos e filhos. Passados mais de 50 anos dedicados ao artesanato, em 2008 ele recebeu do governo cearense o título de Mestre da Cultura, em reconhecimento à contribuição dada por ele à cultura do estado. A partir de então, passou a receber um salário mínimo, o qual se soma os lucros de sua oficina – apinhada de calçados, bolsas, entre outros muitos artefatos de couro. O dinheiro, contudo, não é um fim: “ Isso é uma coisa que a gente faz por amor à profissão. Eu me dou bem quando estou dentro de uma oficina igual a essa aqui; não é interessado em enricar, é só porque eu adoro o trabalho.”

Há tempos seus artefatos cruzaram a fronteira do sertão nordestino e caíram no gosto de turistas estrangeiros e de brasileiros ilustres como Gilberto Gil. Embora haja uma demanda considerável de pedidos para exportação, o artesão alega não ter condições de atender: “a gente só não manda mais para outros países porque não tem produção para isso. Aqui é diferente de uma fábrica em que todo dia vai gente na sua porta pedir emprego. Aqui eu tenho que começar com alguém bem novinho e quando ele vem a aprender, já está velho.” Enquanto dá atenção aos clientes de variadas idades e graus de escolaridade, Mestre Espedito caminha sob o olhar atento de outro ilustre sertanejo, Luiz Gonzaga, cuja frase estampada no alto da parede é endossada pelos admiradores da cultura popular: “Você pode até cursar na melhor escola, mas não será ninguém se não souber respeitar as ideias e a cultura do povão.”

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