domingo, 18 de julho de 2010

A mulher e o índio em Casa Grande & Senzala

André Cervinskis
acervinskis@yahoo.com
Escritor e ensaísta pernambucano

Gilberto de Melo Freyre, que, se vivo, teria 106 anos, recebeu diverso títulos internacionais, publicou diversos outros livros (Guia Prático e Sentimental do Recife, Sobrados e Mocambos, Nordeste, Açúcar, entre outros), mas nenhum deles contribuiu tanto para o consagrar como Casa Grande & Senzala. Este livro, escrito em 1933, representou uma nova visão da sociologia brasileira, quando o Brasil passou a ser visto pelos olhos do próprio brasileiro, de todos que compõem o Brasil: negros, brancos e índios. Sendo o primeiro livro do autor, logo o consagrou como “fundador do Brasil em termos culturais”, como diria Darcy Ribeiro, “ como Cervantes fez com a Espanha, Camões com Portugal, Tolstoi com a Rússia, Sartre com a França”.

Nesse artigo, não me deterei numa análise profunda de temas amplamente conhecidos da obra freyriana, como as relações entre senhor e escravo, a influência do clima , da alimentação e mesmo do perfil do colonizador Português. Vou procurar destacar o enfoque que Freyre deu para os mais excluídos dessa sociedade colonial: as mulheres, tanto as senhoras de engenho quanto as negras e indígenas, e os índios. Especialmente do último, por vivermos um período em que tudo que venha esclarecer sobre as nossas origens indígenas, os hábitos e costumes de nossos primeiros ancestrais, interessa de modo particular.

Seu estilo literário de escrever, incomum para os sociólogos, não conseguiu ser bem digerido pelos intelectuais de sua época. Isso porque todo tratado sociológico tinha que seguir uma metodologia rígida, de imparcialidade. Linguagem seca, sem paixão. Freyre, nesse ponto, mereceu diversas repreensões da crítica especializada, que não conseguia captar o porquê de Freyre valorizar termos chulos: Numa obra como a de Gilberto Freyre, porém, sua língua deve ser simples e nossa, não julgo indispensável que seja chula, impura e anedótica, tal como aparece em tantas de suas páginas. É pouco técnico esse linguajar. Pouco científico. Dá ao livro um aspecto literário que seu assunto e as suas graves proporções não comportam. Freyre magistralmente rompe com tal linguagem ao deixar que suas tendências literárias, de bom prosista e até poeta, interferissem na feitura do texto. Várias são as incursões literárias de Freyre que tornam sua obra mais doce de ser lida: “ Terra e homem estavam no estado bruto. Suas condições de cultura não permitiam aos portugueses vantajoso intercurso comercial que reforçasse ou prolongasse o mantido por eles com o Oriente. Nem reis de Cananor nem sobas de Sofala encontraram os descobridores do Brasil com quem tratar ou negociar. Apenas morubixabas. Bugres.” Ele fugia do caráter científico imparcial. Em todos os estudos sobre o Brasil. De fato, nunca negou, mesmo em seu livro, o amor e nacionalismo extremado que tinha pelo seu país.

Vários mitos foram derrubados com o lançamento de Casa Grande & Senzala. O primeiro deles foi quanto à ineficiência da colonização portuguesa para a formação de um país com maior capacidade de desenvolvimento. (como se alguma colonização, mesmo a estadunidense, tivesse o propósito primordial de fundar um novo país na América!). Gilberto Freyre provou que, graças à sua experiência nas colonizações anteriores, como África e Ásia, além das suas características culturais, como o de se reproduzir com facilidade e seu agrupamento, o português foi o povo que se encaixou para a “civilização’ do Brasil. Graças ao contato com povos distantes, indianos, africanos e mouros, estes constituindo a formação da própria identidade nacional portuguesa, o lusitano acostumou-se às agruras da colonização e se desfez de pudores quanto à união com ‘raças inferiores’ .

O segundo mito que Gilberto Freyre derrubou é o de que o índio era ‘inocente’,‘bom”. O índio idealizado por Gonçalves dias e difundido por José de Alencar não correspondia ao real. Gilberto mostrou ao Brasil a verdadeira cara do nativo da América Portuguesa. Mas não o desvalorizou: mostrou sua contribuição, como ervas, comidas hábitos incorporados ao quotidiano do brasileiro, etc.

O terceiro mito derrubado por Freyre foi o de que o negro se constituiu o lado negativo da formação de nossa identidade. Ressaltou-se muito o caboclo (descendente do português com o índio), mas esqueceu-se o mulato (filho das relações ilícitas dos senhores com suas escravas). Gilberto Freyre provou que a alegria, espontaneidade e integridade do negro muito contribuiu para a formação do caráter do brasileiro. Mostrou a influência de suas línguas (porque foram várias as nações de africanos que par aqui vieram), seus costumes, as comidas os instrumentos adaptados, estudou a religião dos negros, considerada de “ segunda classe’ , enfim, mostrou ser o Brasil negro-índio-português, ou, mais especificamente, caboclo-mulato-cafuso.

O capítulo 2 do livro Casa Grande & Senzala é dedicado aos primeiros habitantes do Brasil, os índios. Este capítulo, como o subtítulo indica, procura mostrar a influência que o indígena exerceu sobre nossa cultura. Analisa a relação que se estabeleceu entre ele e os portugueses, a evangelização da Igreja, os hábitos e costumes que herdamos deles, as ervas e culinária e algumas particularidades.Os críticos, sociólogos e historiadores muito se inclinaram para comentar sobre os negros e suas relações com o senhor de engenho. Mas, quanto aos índios, essa preocupação praticamente não existe.

Primeiramente, Freyre mostra como a realidade do português era bem diferente do espanhol em termos de colonização. Se, ao chegar às Américas, o espanhol se defrontou com uma civilização hierárquica e militarmente organizada, tendo que empreender vigorosa campanha para estabelecer se domínio sobre as terras dos astecas e incas, o português encontrou no Brasil povos vivendo ainda um sistema sócio-econômico pré-histórico, subdivididos em nações muito diferentes umas das outras. Ao contrário dos espanhóis, que estabeleceram com os pré-colombianos uma relação hostil logo de início, com os índios os portugueses procuraram estabelecer trocas e favores, para conquistar sua confiança. Mas logo mostraram a que vieram, e tentaram dominar as terras e os próprios nativos, para escravizá-los. Os nativos se mostraram inaptos para o serviço, além de oferecerem bastante resistência por meio de fugas constantes, e já em l536, há relato da primeira remessa de negros para a América Portuguesa

Os portugueses, imbuídos de uma cultura ainda medieval, tentaram trazer ‘as luzes’ da fé e civilização para os ‘ selvagens’ . Por isso, logo nas primeiras expedições, jesuítas e franciscanos foram enviados com o intuito de catequisar e ensinar ‘ bons hábitos’ aos índios. Cumprindo este papel civilizador, a Igreja contribuiu para o extermínio da cultura, língua e religião dos ameríndios. Os jesuítas, por meio de suas missões, foram os principais agentes dessa doutrinação europeizante. Gilberto critica a posição dos jesuítas, de uma catequese que não levou em conta o respeito aos costumes e tradições indígenas. Estrategicamente concentrando-se nos ‘culumins’ ou crianças índias, os jesuítas pretendiam formar uma nova sociedade cristianizada e esquecida de seus valores ‘ pagãos’ . Por vezes imbuídos do mais genuíno espírito religioso, os jesuítas amoleceram o caráter guerreiro dos indígenas com suas canções decoradas em homenagem a Nossa Senhora, sempre de cabeça baixa, resignados. Mesmo com todas essas críticas, Freyre elogia a unidade nacional que não seria possível se o português não fosse estabelecido com língua padrão. Espalhando-se por todo litoral, adentrando no sertão, os Companheiros de Jesus impuseram o português como idioma comum a nações tão diferentes quanto os jês, tapuios, caetés. Não obstante o esforço de uns poucos, como José de Anchieta, elogiado por Freyre como tendo uma visão de autêntico apóstolo de Cristo, por ter compilado um dicionário tupi-guarani–português, os jesuítas prepararam os índios para serem explorados pelos portugueses ou por eles mesmos nas missões, onde estabeleceram um regime de produção ‘ cooperativo’ , unindo a ação evangelizadora ao trabalho da agricultura. Freyre chega a afirmar a inadaptação dos jesuítas ao estilo de vida dos ameríndios, por prestigiar muito mais o intelecto que o manual. Puxar mais pela memória que pelo braço do indígena. Os franciscanos, ao contrário, amigos da natureza, com um regime de divisão de bens, aproximou-se mais da realidade do evangelizando, e obteve mais sucesso.

Esta religiosidade imposta pelo branco, porém, não sairia ileso do contato cultural com o nativo. Tanto que se estabelece no Brasil um catolicismo mais folclórico, menos ritualístico, cheio de superstições. A própria umbanda, adaptação da religião dos negros à realidade da colônia, possui algumas influências indígenas, como o caboclo e ervas para tirar maus espíritos. De raiz totêmica e fetichista, a religião primitivista dos índios, que levava em conta o culto aos elementos da natureza, teve dificuldade em se submeter ao monoteísmo judaico-cristão. A única aproximação possível foi a veneração aos santos, levando mesmo assim, em conta os rituais próprios dos índios, que reverenciavam suas entidades com festas, sacrifícios, deles recebendo curas e ações sobrenaturais por meio dos pajés ou feiticeiros das tribos. Muitas dessas práticas ainda resistem ao tempo, no Sertão, por meio das rezadeiras, que não deixam de constituir um ritual mágico de pedir a saúde.

Gilberto exalta o índio com feitos antes não reconhecidos. Segundo ele, ‘ a contribuição do indígena (...) foi formidável: mas só na obra de devastamento e de conquista, dos sertões, de que ele foi o guia, o canoeiro, o guerreiro, o caçador e pescador. Muito auxiliou o índio ao bandeirante mameluco, os dois excedendo ao português em mobilidade, atrevimento e ardor guerreiro; sua capacidade de ação e de trabalho falhou, porém, no ramo-rame tristonho da lavoura de cana, que só as reservas extraordinárias de alegria e de robustez animal do africano tolerariam tão bem. Compensou-se o índio, amigo ou escravo dos portugueses, da inutilidade no esforço contínuo pela extrema bravura no heróico e militar. Na obra do sertanismo e de defesa da colônia contra espanhóis, contra tribos inimigas dos portugueses, contra corsários.” (FREYRE 1984:94-5)

Da culinária, herdamos dos índios a cultura de mandioca, praticamente substituindo o trigo no começo da colonização. Dela, se extraía um veneno que, se ingerido, provocava a morte de quem a consumia. O indígena, sabendo disso, processava por meio de técnicas artesanais, a goma de mandioca, que servia para fazer tapiocas, um prato hoje típico do Nordeste. E a farinha, que dava para fazer bolos e comidas salgadas. Também o milho, um cereal totalmente americano, era muito utilizado para diversas utilidades.

Para cada doença, o indígena tinha um chá ou uma bebida especial. Unindo superstição ao conhecimento empírico, os nativos desenvolveram uma medicina natural que hoje em dia tem servido de base para muitas pesquisas médicas, algumas já comprovadas. Ainda hoje, nos mercados populares do país, encontram-se ervas para todos os males, das dores de barriga até a inapetência sexual.

O hábito de dormir em redes apenas atiçou mais a preguiça do europeu, que considerava o Brasil o próprio Éden, onde ele, apartado das famílias de origem, amancebava-se com as índias que desfilavam nuas em sua frente. De todos os hábitos, porém, o do banho diário foi o que mais escandalizou o português. Considerado até prejudicial à saúde, o português com dificuldade se adaptou ao regime higiênico da colônia, cujo calor era causa principal dos quase 15 banhos diários tomados pelos índios que os cronistas coloniais registraram.

Considerado por muito tempo como viril, o índio na verdade se revelou apático sexualmente, segundo as observações de Freyre. Freud explicou que, quando não há atividade sexual, procura-se transferir a energia empregada em outro fim. Em breves palavras, isso seria a sublimação. E é isso que Gilberto constata, quando percebe ser comum, em diversas regiões do Brasil, nações indígenas com danças com objetos fálicos (FREYRE 100). E, por conta disso, concluíram os cronistas, o motivo da submissão e até o gosto que a índia tinha de ser submetida aos impulsos sexuais dos brancos. Encontravam nesse último a virilidade que faltava aos seus companheiros. (FREYRE, 1984: 100.102)

Gilberto vasculha mais e descobre a importância das cores, especialmente o vermelho, como instrumento de profilaxia para algumas doenças, que se supunha provirem dos ‘ maus espíritos’ . A isso, atribui a preferência até hoje do vermelho nas roupas das mulheres do interior, além da presença dessa cor nas nossas manifestações populares, como o reisado e maracatu. Os europeus, sendo dominadores, impuseram sua moral para os indígenas.

Uma das primeiras imposições a que os padres da Companhia de Jesus sujeitaram os indígenas foi obrigá-los a andarem vestidos, com pudor de mostrarem o sexo. O que provocou uma série de epidemias, de doenças de pele a pneumonia, entre as tribos. Sendo um ambiente propício ao estabelecimento de relacionamentos não-convencionais de portugueses e ‘bugras’ , como eram chamadas as índias, os padres apressaram-se em convencer os indígenas sobre a moral da monogamia. O português que aqui chegava, mal-acostumado do contato com as moças árabes, onde o islamismo pregava a poligamia, viu terreno fértil para relaxar na sua conduta e entregar-se a aventuras amorosas com as nativas. O incesto, prática comum entre os índios, que não viam problema algum em juntar tio materno com sobrinha e oferecer mulheres para acompanhar noturnamente os hóspedes, tratou logo de ser erradicado pelos jesuítas. Era um escândalo para os soldados de Jesus tamanha naturalidade.

A estrutura familiar indígena era extremamente patriarcal. As mulheres cuidavam do serviço doméstico, da criação dos filhos e do artesanato. Os homens se preocupavam com o sustento da prole. A educação dos culumins era rígida, embora gozassem de uma infância mais solta e livre que o das crianças européias. Porém, havia uma necessidade muito grande de incutir medo nelas, a fim de não desobedecerem os pais ou se afastarem sozinhas da aldeia e não somente as crianças, mas também as mulheres. Havia entre os indígenas a lenda do Jurupari, que Gilberto acredita ter sido a origem do nosso Bicho Papão.

O hábito de cantar para os meninos dormirem foi outro traço de nossa identidade nacional provinda dos índios. Afirma Freyre: “a mãe selvagem ninava o pequeno, deitado na rede, com palavras cheias de ternura pelo meninozinho que, sob a influência do catolicismo, ia ser idealizado em anjo”. Mas Freyre também constata uma série de rituais que iniciam o adolescente na fase da reprodução. Os meninos cortavam o cabelo, eram segregados das mulheres nas casas secretas, fechada a entrada para as mulheres. Afirma o autor: “Durante a segregação, o menino aprendia a tratar a mulher de resto; a sentir-se sempre superior a ela; a abrir suas intimidades não com a mãe nem com mulher nenhuma, mas com o pai e com os amigos. As afinidades que se exaltavam eram as fraternas, de homem para homem; as de afeto viril. Do que resultava ambiente propício para a homossexualidade’. Homossexualidade que não era vista da mesma forma pelas duas raças; nas tribos, papéis importantes, de magia, curandeirismo e medicina, estavam reservados aos bissexuais ou efeminados; acreditavam serem eles portadores de bons espíritos.

Cedo portanto, os meninos aprendiam a cantar. E esse hábito foi muito bem aproveitado pelos jesuítas, que procuraram ensinar o catecismo e as orações básicas, como ave-maria e pai-nosso, adaptadas, por vezes na própria língua indígena, em forma de música. Ora, encontraram amplo terreno de influência, assim, sobre os pais, que aprendiam as canções dos filhos e eram evangelizados por eles, com um modelo inverso à catequizarão tradicional.

Até nossos jogos de azar e brincadeiras infantis, envolvendo animais, seriam provenientes dos índios. Num clima de irmandade, que mereceu até o elogio de Padre Cadinho, os meninos jogavam e se divertiam, sem xingar um ao outro nem a seus pais. Como diria Gilberto: a verdade é que, ao contrário do que se observa noutros países da América e da África de recente colonização européia, a cultura primitiva – tanto a ameríndia quanto a africana – não se vem isolando em boles duros, secos, indigestos, inassimiláveis ao sistema social do europeu. Muito menos estratificando-se em arcaísmos e curiosidades etnográficas. Faz-se sentir na presença viva, útil, ativa, e não apenas pitoresca, de elementos, de elementos com atuação criadora, no desenvolvimento nacional. Nem as relações sociais entre as duas raças, a conquistadora e a conquistada, aguçaram-se nunca na antipatia ou no ódio cujo ranger, de tão adstringente, chega-nos aos ouvidos de todos os países de colonização anglo-saxônica e protestante. Suavizou-as aqui o óleo lúbrico da profunda miscigenação, quer a livre e danada, quer a regular e cristã sob a bênção dos padres e pelo incitamento da Igreja e do Estado.

Em relação às mulheres, o livro Casa Grande & Senzala também inova, ao dar destaque a alguns hábitos culturais das mulheres indígenas e negras, construindo um perfil sociológico dessas classes sociais no Brasil colonial. Começando pela mulher indígena, nossa primeira mãe por ser o primeiro cruzamento de nossas raças, nos diz Gilberto: à mulher gentílica (indígena), temos que considerá-la não só a base física da família brasileira, aquela em que se apoiou, robustecendo-se e multiplicando-se, a energia de reduzido número de povoadores europeus, mas valioso elemento de cultura, pelo menos material, na formação brasileira. Por seu intermédio enriquece-se a vida no Brasil de uma série de alimentos ainda hoje em uso, de drogas e remédios caseiros, de tradições ligadas ao desenvolvimento da criança, de um conjunto de utensílios de cozinha, de processos de higiene tropical – inclusive o banho freqüente ou pelo menos diário, que tanto deve ter escandalizado o europeu porcalhão do século XVI.

A mulher negra também não foi esquecida, por meio do elogio à mãe preta, negra escolhida para ser ama de leite do senhorzinho: “quanto às mães-pretas, referem as tradições o lugar verdadeiramente de honra que ficavam ocupando no seio das famílias patriarcais. Alforriadas, arredondavam-se quase sempre em pretalhonas enormes. Negras a quem se faziam as vontades: meninos tomavam-lhe bênção; os escravos tratavam-nas de senhoras; os boleeiros andavam com elas de carro. E dia de festa, quem as visse anchas e enganjentas entre os brancos da casa, havia de supô-las senhoras bem-nascidas; nunca ex-escravas vindas da senzala.

Mas não era qualquer escrava que poderia ser mãe-preta e gozar, portanto, desse privilégio; havia alguns critérios: a negra ou mulata para dar de mamar a nhonhô, para niná-lo, preparar-lhe a comida e o banho morno, cuidar-lhe da roupa, contar-lhe histórias, às vezes substituir a própria mãe – é natural que fosse escolhida dentre as melhores escravas de senzala. Dentre as mais limpas, as mais bonitas, as mais fortes. Dentre as menos boçais e mais ladinas – como então se dizia para distinguir as negras já cristianizadas e abrasileiradas, das vindas há pouco de África; ou mais renitentes no seu africanismo.

Mesmo a mulher branca não foi esquecida por Freyre, quando nos revela despotismo dos pais e dos maridos sobre a filha ou esposa, mostrando a dificuldade que havia, para elas, de realizarem aventuras amorosas. Dificuldades, mas não impossibilidades. Deste modo, Freyre lança o olhar sobre a mulher branca que, ao mesmo tempo dominadora, era excluída do sistema que valorizava o homem e não ficava, política e socialmente, numa posição diferente do negro e do indígena.
Por tudo que foi exposto, podemos identificar a preocupação de Gilberto Freyre em mostrar para nós, num época de preconceitos acadêmicos e sociais, figuras tão esquecidas da História oficial durante séculos: o negro e o índio. Este último com mais veemência, pois que vivemos a época do resgate de nossas raízes, quando comemoramos o encontro das três raças que formou o que hoje chamamos Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Freyre, Gilberto. Casa Grande & Senzala. Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro: l984.
Fonseca, Edson Nery. Casa Grande & Senzala e a crítica de 1933 a 1943. Recife: Cia. Editora de Pernambuco, l985.
Melo Franco, Afonso Arinos. Uma obra rabelaisiana. In: Casa Grande & Senzala e a crítica de l933 a 1943. Organizada por Fonseca, Edson Nery . Recife: Cia. Editora de Pernambuco, l985.

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