quinta-feira, 25 de março de 2010

O circo, as sombras e os macacos

Rodrigo C. Vargas

A contradição não pode ser confundida com mudança de opinião. Contradizer é dizer que o vermelho é azul para o lado esquerdo e verde para o lado direito. Sempre questionei o modelo Reality Show e somente agora compreendi um dos mais vistos abaixo da linha do Equador.

O Programa Big Brother, transmitido no Brasil pela Rede Globo, não se encaixa no modelo de escrita proposto por George Orwell como muitos desejam, mas no fluxo humano-caótico rodriguiano. O grande irmão pós-moderno não tem nada de ficcional. É pura verdade, carne. Em 1984, obra prima de Orwell e que inspirou o nome do programa de tevê, o autor levanta uma questão que fazia sentido para a época - ainda sob o trauma da Segunda Grande Guerra - a preocupação de como o estadismo-tecnológico poderia levar a um autoritarismo ainda mais rigoroso, vigiado e sínico.

Desde então, o mundo viveu profundas transformações com o aprimoramento da propaganda, as manipulações da Guerra Fria, a revolução comportamental dos anos de 1960, a mobilidade estática da internet e o choque da queda do World Trade Center. As preocupações passaram de ordem coletiva para individual, privada. O Big Brother é o extrato de nosso tempo, é A vida como ela é cheia de, agora sim, contradições.

O que eu não entendo é por que tem gente que assiste e prefere dizer que não. Seria medo de ser taxado como parte do show? O Big Brother não é uma propaganda acariciando o cognitivo nem muito menos uma novela intencionalmente escrita. São pessoas comuns e nada mais belo que o ordinário. Não seria bom ver confinados, por pelo menos três meses, figuras como Joaquim Roriz, José Sarney, Fernando Ribas Carli Filho, Paulo Maluf e Edmar Moreira? Alguns discordam, acham que tudo não passa de vouyerísmo.

Tem sempre aquele que procura ascender a sua própria fogueira inquisitória. No caso, uma espécie de discurso corrosivo contra a sexualidade a flor da pele ou o abuso do álcool. Moralismo mofado. Não somos uma sociedade hedonista, dependente química e vazia espiritualmente? Todo esse lamento puritano me remete ao pensamento junguiano que confronta o Real e o Ideal. Para Jung é preciso comer no chão, sem talheres, para lembrarmos quem somos.

Nada dimensiona melhor o mundo em que vivemos. Tanto que as frases “estou tão entediado que vou até ler um livro” e “ele merece voltar (na próxima vida) como Judas, para levar umas pauladas” ficam em segundo plano na hora de discutir o que acontece lá dentro da casa mais vigiada do país. O mais importante é saber por que um gay beijou uma garota na boca. Essa é a realidade construída por nós, subsidiada por convenções como o suicídio da crítica, o culto a celebridade, o renascimento cotidiano do consumo, a exploração do corpo e a criminalização das minorias. A verdade é algo discutido há pelo menos quatro mil anos e a definição que mais me agrada é a que diz que é a ilusão dos sentidos. Ta aí! Somos todos iludidos. Assim fica mais fácil digerir.

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