segunda-feira, 29 de junho de 2009

Notas sobre o instinto universal de Machado de Assis

Carlos Eduardo Louzada Madeira
carloselmadeira@gmail.com
Mestrando em literatura brasileira no programa de pós-graduação em letras da UERJ e especialista em literatura brasileira pela PUC Rio.

Em seu ensaio “O Instinto de Nacionalidade” (1873), Machado de Assis tece algumas valiosas considerações acerca do que se vinha produzindo e pensando no campo das letras nacionais. Chama atenção, desde logo, para uma preocupação que permeava as mentes e obras dos autores brasileiros de então: a afirmação de uma literatura independente, própria de uma nação que procurava se estabelecer culturalmente longe do peso de um passado colonial.

Sob influência de uma então recente (e, até certo ponto, aparente) independência política, os escritores brasileiros, a partir do movimento romântico, se lançam em busca de elementos que corroborem esse ideal de autonomia cultural. Pautam-se, muitas vezes, pela temática indígena, que lhes parece a mais apropriada para expressar a especificidade da terra e o espírito nacional.

Machado, com seu habitual rigor crítico, vai pouco a pouco colocando em relevo o equívoco em que consiste interpretar o país quase que exclusivamente pelo diapasão do indianismo. Lembra o autor que não repousa no elemento indígena o patrimônio da literatura nacional, realçando também o fato de que mesmo o indianismo não representa algo essencialmente nacional, mas universal.

Machado observa que há em autores como Gonçalves Dias muito da natureza humana, com suas “aspirações, entusiasmo, fraquezas e dores”, vista aí por um viés globalizante, não limitada ou empobrecida por uma orientação absolutista. Ciente de que todo esforço homogeneizador cumpre função opressora, não permitindo o eco de outras vozes, procura, de certa forma, responder aos seus críticos, que o acusam de não explorar a natureza enfeitiçante dos trópicos, elemento considerado tão característico da alma brasileira. Acusam-no de ser um autor pouco afeito às preocupações nacionalistas que dominavam a cena.

Com estilo sutil e expressão larga, Machado recusa o uso instrumental da literatura, construindo uma obra ficcional intrigante, não panfletária, que não ignora o nacional, mas que o aborda de modo diverso do habitual, elencando também aspectos da vida quotidiana e das relações humanas que muitas vezes passam despercebidos. Perscruta a complexidade social por meio de personagens que expõem psicologismo e constituição pouco apropriados a interpretações simplistas ou acanhadas.

Sabedor de que uma literatura nacional não se faz apenas de assuntos locais, Machado trabalha a intertextualidade com destreza, sendo por vezes chamado de escritor estrangeirado. Dialoga com Stendhal, Stern, Shakespeare e mesmo com a Bíblia, o que confere a seus textos um caráter eminentemente universal. Sustenta que “o que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda que trate de assuntos remotos no tempo e no espaço”.

Homem de sua época, sem dúvida o era, talvez até um pouco à frente dela, dada a acurácia da sua pena e a lucidez com que focaliza a realidade brasileira, tanto na esfera literária quanto na sociopolítica e econômica. Olha não apenas para o presente, mas também para o futuro.

É a escrita palimpséstica do autor que embala, como diz Alfredo Bosi, o seu “não ao convencional, um não que o tempo foi sombreando de reservas, de mas, de talvez, embora permanecesse até o fim como espinha dorsal de sua relação com a existência”. É uma escrita muitas vezes ambígua, que exige dos seus leitores uma postura mais ativa, atuante e sobretudo mais crítica em relação ao meio que os circunda.

Machado não se deixa envolver cegamente pelas tendências da época, como demonstra em O alienista, obra que ironiza e questiona o furor cientificista que tomara de assalto as artes na segunda metade do século XIX. Procura dialogar com os que o criticam, sugerindo ser justamente a ausência de uma crítica ampla e elevada um dos maiores males da literatura brasileira do seu tempo, crítica essa, aliás, que ajuda a desenvolver com critério e consistência, com instinto nacional e universal.

Referências Bibliográficas

ASSIS, Machado de. “Instinto de nacionalidade”. In: Obra completa. Volume III. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004, pp. 801-809.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 38ª edição. São Paulo: Cultrix, 1994, p.176.

Machado, eterno enigma

Mauro Rosso
rosso.mauro@gmail.com
Escritor, professor e pesquisador de literatura brasileira

“Ano Machado de Assis”, estabelecido oficialmente – embora saibamos o quanto seu nome e grandiosidade se encontrarem acima e além de efemérides e circunstâncias de momento. No ano do centenário de morte, convém uma longa (e importante) viagem no tempo e reportar ao Machado de seu primeiro livro publicado e anunciadorprenunciador de tudo que viria depois.

“(...) na obra de Machado de Assis, toda conclusão do leitor é um risco, porque nela o sentimento do mistério se traduz por um desencanto aparentemente desapaixonado, mas que abre a porta dos sentidos alternativos e transforma toda noção em ambigüidades”
(Antonio Candido)


Queda que as mulheres têm para os tolos veio a lume no ano de 1861, originalmente publicada na revista A Marmota Fluminense, em cinco números sucessivos: 19, 23, 26, 30 de abril e 03 de maio, e no mesmo ano em livro, um opúsculo de 43 páginas, formato 16 x 12 cm, pela Typographia de Paula Brito. Ao longo do tempo, sucederam-se a edição de 1936, pela Editorial W.M.Jackson Inc, na Coleção Machado de Assis, vol. 22, e a edição de 1943 (fac-similada) pela Academia Brasileira de Letras, na coletânea Ensaios I. Tanto nos folhetins como nos volumes editados aparece sob a indicação de “tradução de Machado de Assis”, sem informar no entanto o nome do autor original.

Estudiosos e pesquisadores de Machado de Assis sustentam, todavia, tratar-se de um trabalho original [1], disfarçado em tradução por ‘timidez’ do autor, mas o ensaísta (e machadófilo) francês Jean-Michel Massa defendeu, recentemente, ser uma tradução do panfleto publicado anonimamente pela editora F. Renard de Liège, em 1859, com o título “De l`amour des femmes pour les sots”, atribuído posteriormente ao belga Victor Henaux — ainda que estranho seja o fato de apenas citar a obra, sem maiores detalhes, em seu livro Machado de Assis traducteur [2] , tratando dessa e de outras 47 supostas traduções de Machado [diz-se “supostas”, grafado, nem tudo em Machado é plenamente confirmado, principalmente em se tratando de traduções].

O disfarce concebido por Machado, segundo os que asseguram ser uma criação e não tradução – por ‘timidez’ do autor — seria mais um dos inúmeros subterfúgios machadianos: de um lado, por ser Queda... sua primeiríssima obra publicada, em 1861 [mas é bom notar que de sua autoria o poema “Sonetos”, dedicado a uma misteriosa "Ilma. Sra. D.P.J.A." , identificada muito tempo depois como a sra Dona Petronilha, aparecera no Periódico dos Pobres, de 3 de outubro de 1854, com a assinatura J. M. M. Assis.; em 6 de janeiro de 1855 A Marmota Fluminense, de Francisco Paula Brito, estampara “A palmeira” e em 12 de janeiro “Ela”, até então consideradas as peças pioneiras (denota-se como em Machado nem tudo é definitivo e corriqueiro, as coisas mudam e oferecem volta e meia novas versões)]; de outro lado, pelo fato de ser ele anda ‘um ilustre desconhecido’ e sobretudo por ser um texto de gênero absolutamente indefinido — não é romance, não é conto, não novela, não crônica, não poesia, não teatro : aproxima-se mais do ensaio (filosófico) .Machado, ‘a la Machado’, teria optado por aparecer como tradutor. Inclusive porque sempre foi (e é) difícil encontrar, comprovar e certificar-se de muitas das traduções feitas por ele – são quase mistério, um permanente desafio a críticos, pesquisadores e estudiosos.

Convém assinalar que nesse mesmo ano de 1859, A Marmota publicou, também em folhetins, dois textos literários muito peculiares no que tange a Machado. De 10 maio a 30 agosto, o conto “Bagatela”, com uma nota inicial informando “O sr. Machado de Assis cujo nome e de cujas produções literárias já os nossos leitores têm conhecimento, pelo que de sua pena se tem publicado, mimoseou-nos com a seguinte tradução,que muito lhe agradecemos, cujo trabalho não é,como o título diz, uma Bagatela”. No entanto, o mesmo Jean-Michel Massa, diferentemente do que sustenta para Queda..., sugere no caso não tratar–se de tradução porquanto reúne elementos suficientes para ser uma criação original, e não uma versão – no melhor estilo da sutileza machadiana. Massa, desconfiado, realizou intensa pesquisa, consultando primeiramente “os melhores especialistas do conto fantástico (M.M. Castex, Vax, Stragliati, M. Versians)” e nenhum deles tinha a menor referência sobre esse texto; depois, buscando localizar na Biblioteca Nacional de Paris o conto entre as principais obras nada menos que 19 obras publicadas entre 1842 e 1859 e em 3 coletâneas de contos fantásticos —da mesma forma nada encontrando. Em última instância, Massa supõe que o conto possa ter sido publicado numa revista literária francesa de pouca importância e algo obscura, da qual não restam exemplares ou registros bibliográficos [J-M. Massa, Dispersos de Machado de Assis, INL, Rio de Janeiro, 1965].

Em contrapartida, a caracterizar de modo insofismável o quanto de ambíguo, dúbio e especulativo pode ser muito do que se refere a Machado, apareceu em A Marmota, de 17 maio a 4 novembro, a novela intitulada “Madalena”, apresentado como “romance original de M.de A.” [sic] — assinatura interpretada como sendo “Machado de Assis’. “Madalena” inclui-se no rol daqueles textos “atribuídos a Machado” (quer por José Galante de Souza, quer por Raymundo Magalhães Junior), sem oferecer a necessária certeza , ao contrário levanta dúvidas porquanto a assinatura poderia ser de (Manuel Duarte)Moreira de Azevedo, colaborador de A Marmota e do Jornal das Famílias, escritor que em 1860 publicaria um romance com este título, de acordo com o Dicionário Bibliográfico Brasileiro (1900), de Sacramento Blake — e o texto publicado em A Marmota de 1859 tem forma narrativa, estilo e linguagem semelhantes aos de Moreira de Azevedo em outros escritos seus.

Em se tratando de Machado, sabemos tudo ser possível — o feito pelo não-feito, o criado pelo traduzido, o escrito pelo não-escrito. Nada como esses exemplos para alimentarem especulações, ilações e interpretações em torno não apenas de Queda... — a rigor, um prenúncio do que se desenrolaria na produção literária de Machado — mas de várias outras obras, entre pseudônimos e anonimatos, dúvidas e mistérios, sutilezas e enigmas, disfarces e subterfúgios.

Mestre dessas ‘artes’, Machado utilizou-as à exaustão, como meios e instrumentos de disfarce, a par dos pseudônimos — foram quase 40 assinaturas em contos (como eram publicados em folhetins, por vezes uma assinatura diferente para cada capítulo) e em crônicas. O anonimato iniciado em 1861 com Queda..., em seguida praticado em um texto publicado em quatro folhetins, de 14 maio a 18 junho, em A Semana Ilustrada, intitulado “Conversas com as mulheres”, atingiu seu auge na série “Bons Dias!”, conjunto seqüencial de crônicas publicadas na Gazeta de Notícias de abril 1888 a agosto 1889 — porque somente descoberto e revelado na década de 1950, por J. Galante de Souza, vale dizer cerca de 70 anos depois (!).

Mistério e enigmas, aliás, não faltam na obra e na carreira literária de Machado. Em Machado, pressente-se sempre que há alguma coisa mais oculta, sem se saber exatamente o quê — e nada, absolutamente nada, o explica satisfatoriamente. Sente-se que existe sempre algo a descobrir no enigma do criador de uma obra de ficção tão importante quanto a dos grandes mestres dos séculos XIX e XX, como Balzac, Stendhal, Flaubert, Proust.

Por outro lado, os que admitem ser efetivamente tradução — como Mario de Alencar (ligadíssimo a Machado), em 1909, e recentemente Ubiratan Machado [3], ainda assim mantêm suas dúvidas, de resto extensivas a essa dificuldade na localização de traduções efetivamente realizadas por Machado e, importante saber, ao fato de Machado simplesmente suprimir seu nome como tradutor em alguns trabalhos: Mario de Alencar, no texto de Apresentação da edição de peças teatrais de Machado [4] registra:

“também não foi possível descobrir das traduções que ele fez senão ‘O suplício de uma mulher’, em cópia manuscrita doada com outros papeis à Academia Brasileira. As traduções teriam lugar nesta coleção, como trabalhos que deviam ser compostos com o esmero literário peculiar a toda obra escrita por Machado de Assis. Não coligi todavia ‘O suplício de uma mulher’, atendendo à circunstância de estar riscado na cópia referida o nome do tradutor, o que pareceu indicar a sua intenção de não dar a obra à publicidade em livro,ou talvez a sua opinião de não a ter literalmente acabado”.

Daí, quem garante Queda que as mulheres têm para os tolos ser mesmo uma tradução feita por Machado, ou mais um de seus subterfúgios? E cá entre nós e para nós, a versão considerada por mais de um século é muito mais, digamos, ’charmosa’, muito mais — não há dúvida alguma — ao estilo e espírito machadiano: sutil, insinuante, ambíguo, dissimulado. Pois não é essa, a par de outras igualmente grandiosas, a mais espetacular característica/conotação de toda obra de Machado? Ele sempre cultivou a dúvida, o ‘traiu ou não traiu’(implícito em sua maior e definitiva obra), ‘insinuou ou não’, ‘seduziu ou não’, ‘mentiu ou não’, ‘furtou ou não’,‘fez ou não fez’ — e é esse teor ‘hamletiano’, a ligá-lo e referenciá-lo a ninguém menos que Shakespeare, uma de suas maiores admirações e citação constante. Dele, Machado assimilou e incorporou à sua obra ficcional a temática do ciúme, aliás o binômio ‘ciúme e perdão’ — presente e atuante em romances como Ressureição, A mão e a luva, sobretudo em Dom Casmurro, e em inúmeros contos: binômio que remete a Freud, de quem Machado consubstanciou — sem o conhecer...— os elementos e conceitos do inconsciente, do psiquismo humano, da sexualidade feminina, estabelecendo como nenhum outro escritor brasileiro de seu tempo vetores e pontos de interseção entre a literatura e a psicanálise, desde as primeiras obras, mesmo as da ‘fase de aprendizado’ e atingindo seu clímax na denominada ‘fase de maturidade’. Como sentencia Roberto Schwarz [5], “Machado é um autor que em 1880 está dizendo coisas que Freud diria 25 anos depois. Em Esaú e Jacó, por exemplo, antecipou-se a Freud no ‘complexo de Édipo’”. Machado de Assis é o grande autor do romance psicológico brasileiro do século XIX e do início do século XX.

Desde o início de sua criação ficcional em prosa, Machado traçou caminhos próprios e peculiares para tratar das relações entre os homens e as mulheres, mormente depois do romance Iaiá Garcia, em que o poder de observação psicológica dos personagens se acentua — captando, de forma expressiva, o conceito freudiano do desejo in­consciente. Machado foi muito além da visão ingênua dos românticos, do discurso dos realistas e naturalistas, injetando em sua obra muitas sementes da modernidade: criou um estilo de literatura não apenas de observação das pessoas mas sobretudo de interpretação, expondo das pequenas coisas, das passagens a princípio inocentes, um outro lado que muitas vezes aludia à presença, sempre insidiosa, do inconsciente.

A essencial temática de Machado de Assis consistia em expressar as sutilezas do mecanismo psicológico no deflagrar de ações, emoções,expressões e reações no comportamento humano . Tinha em vista um prisma polêmico: superar as simplificações mecanicistas praticada pelos epígonos do Naturalismo no final do século XIX, propondo radical e consistente denúncia contra mistificações e imposturas. Possuía uma maneira própria de ver, representar e interpretar o mundo, a começar por seu peculiar processo de criação ficcional, as elaboradas transposições temáticas, tramáticas e de linguagem criando e intertextualizando — que de resto não se ajusta às definições comuns dos gêneros literários, como no caso a ‘indefinição’ genética de Queda que as mulheres têm para os tolos.

A literatura de Machado – nos moldes de Flaubert, Balzac, Eça de Queiroz — traz, juntamente com Freud, para o centro das discussões, a questão da sexualidade feminina. Nos romances machadianos surge uma mulher que quer poder escolher a forma de sentir e amar, apesar de, algu­mas vezes, ao não poder dizer de seu desejo — a maioria das mulheres da época, vivia reclusa, tinha pouco estudo, e sua principal meta era um casamento com o que se chamava ‘um bom partido’; se houvesse amor, melhor, mas não era o principal,pois a questão do amor era secundária, era um luxo que muitas mulheres não tinham : Machado,fiel à ‘ideologia’ das décadas de 1850-60, assim o trata em Ressureição, em A mão e luva, mas redime o amor em Memorial de Aires, numa “recomposição com a vida” — fazer convergir para o corpo o protesto da sua sexualidade insatisfeita.

Nenhum escritor de seu tempo ‘edificou’ tanto a mulher como personagem capital e leitmotiv básico de seus textos como Machado de Assis — nem Joaquim Manuel de Macedo (de A Moreninha e em inúmeros contos), José de Alencar (notadamente na trilogia urbana Senhora, Diva e Lucíola, além das novelas A viuvinha, Cinco minutos, A pata da gazela, Sonhos d`ouro, Encarnação), nem Taunay (em Inocência), Bernardo Guimarães (e sua Escrava Isaura), Domingos Olímpio (com Luzia Homem), nem Lima Barreto (de suas Clara e Castorina em Clara dos Anjos , Olga e Edgarda em Triste fim de Policarpo Quaresma , Efigênia em O cemitério dos vivos; Cecília de Diário íntimo, Cló, Adélia, Lívia em Histórias e sonhos; etc., das instigantes crônicas em torno do tema “Não as matem!”).

Machado escrevia sobre mulheres e para mulheres: parece mesmo que tinha certa preferência em escrever para publicações cujo público predominante era feminino, primeiro no Jornal das Famílias, de 1864 a 1876, e a partir de 1879 em A Estação. Sua obra, de modo geral, encena vários tipos femininos, com histórias povoadas de muitas personagens e situações que mostram as alternativas com que as mulheres se defrontam na vida: assim é com Lívia de Ressurreição, Guiomar de A mão e a luva, Helena, Iaiá Garcia, Virgília e Marcela de Brás Cubas, Sofia de Quincas Borba, Capitolina de Dom Casmurro, Flora de Esaú e Jacó, Fidelia e Carmo de Memorial de Aires, além da profusão das protagonistas de inúmeros contos — como “Missa do galo”, “Capítulo dos chapéus”, “Singular ocorrência”, “Uma senhora”, “Trina e una”, “Primas de Sapucaia!”, “Noite de almirante”, “A senhora do Galvão”, “Uns braços”, “D. Paula”, que encenam vários tipos femininos e situações com as quais as mulheres se defrontam na vida comum — podendo mesmo serem catalogado como ‘estudos sobre a mulher”, ao revelarem de forma soberba a mais aguda sensibilidade de Machado no trato de questões que envolvem moral, ética, preconceito social, autoritarismo, amor e ciúme.

Suas mulheres ficcionais — orgulhosas ou tímidas, calculistas ou levianas, singelas ou complexas — “com seus contornos roliços, seus olhos onde a gente se perde como na escuridão da noite, são criaturas feitas de capricho e de carne, sobretudo de carne, tudo instinto, sem nenhum raciocínio”. E nesse privilegiar a mulher como personagem primordial de sua ficção, desde os primeiros romances, Machado trabalhou o psicológico como nenhum outro escritor de seu tempo, preocupado com climas, ambientes, situações existenciais sutis e delicadas: as mulheres surgem como personagens de grande densidade psicológica, alimentando de forma rica e sugestiva sua temática essencial. Na maioria dos romances, a mulher é o elemento forte, traz o homem dependente de si, ela é o esteio, a base da relação. Há matriarcas que dominam e comandam propriedades e a família, viúvas que não mais casam, em que se percebe que a figura masculina é, por vezes, desnecessária (Machado chega a reduzir o homem a um nada : em Memorial de Aires, por exemplo, D. Carmo segue a linha da mulher totalmente dedicada à famí­lia, e que firmemente controla não só o espaço doméstico, como, e prin­cipalmente, o marido. Daí a famosa frase: "Aguiar sem Carmo é nada" ).

Pretenderia Machado de Assis o matriarcado? Assim especulam muitos dos estudiosos de sua obra, para os quais ele era mesmo ‘feminista’ — e a cada leitura de sua obra nos damos conta da sutileza e da abrangência desse feminismo. Sobretudo por seu explícito, e corajoso, reconhecimento das necessidades emocionais, econômicas e sexuais da mulher — exposto em romances e contos. Importante notar, como que a reciclagem de um processo desenvolvido por longos 36 anos (desde Ressureição, em 1872), em seu último romance, sua obra conclusiva — Memorial de Aires — a par de continuar a privilegiá-las, valorizá-las e enaltecê-las, Machado como que ‘redime’ as mulheres : não mais a figura sensual impulsionada pelo desejo — como Capitu, Virgilia, Sofia, Guiomar, Valéria, Marcela -- mas a mulher proba, que pode ser amada e admirada — como Fidelia e Carmo. Não mais as machadianas sedutoras, ambiciosas, dissimuladas, ‘oblíquas’ — antes de tudo, fúteis e fugazes, a ponto de preferirem os tolos ao invés dos homens de espírito...

Obssessivamente observador, a aguda e profunda visão machadiana das “coisas deste mundo” o fez constatar o quanto a mulher na sociedade imperial brasileira — reclusa e dominada, doméstica e servil — era ‘anulada’ por sua própria condição feminina: se o mundo da mulher era limitado pelas paredes do sobrado, tratou de retirar do ócio social da mulher de sua época a essência da matéria ontológica de suas personagens.

O certo é que Queda que as mulheres têm para os tolos ser ou não tradução é o que menos importa. O que vale ser considerado mesmo é , primeiro, sua própria textura — leve, gracioso, fluente, irônico, bem-humorado — e sua indefinição genética, sua não-identificação formal; depois, ter sido inspiração para muito do que viria a seguir , o modelo de uma ‘teoria amorosa’ exercitada por Machado em “Desencantos”(1861), em Ressureição (1872), e finalmente na opera-mater, a grandiosa Dom Casmurro.(1899). Queda que as mulheres têm para os tolos adquire representativa especial e peculiar, pois lhe serviu de inspiração para a escrita de sua primeira peça teatral, por cadeia, de seu primeiro romance, e, por fim, de sua obra definitiva e consagradora. Todos esses textos têm por modelo essa “teoria amorosa” — traduzida ou não por Machado, em 1861; em todos eles, a ‘ideologia’ da dúvida, da dubiedade, da incerteza, da ambigüidade; todos abordam a questão da escolha que a mulher deve fazer entre um homem de espírito e um homem sem juízo — que se constitui num dos primordiais arcabouços dramatúrgicos e temáticos da ficção machadiana.

Entre os vários e relevantes elementos por meio dos quais Queda que as mulheres têm para os tolos prenuncia, integra-se e intertextualiza-se com diversas obras machadiana,entre eles a ironia, o sarcasmo, a sutileza, a finura psicológica, o vocativo ao leitor, vale destacar o que se pode denominar de ‘diplomacia amorosa’ — expressa pela tríade tolo — mulher — homem de espírito que permeia toda a ficção machadiana, sob uma teia dramatúrgica presente em contos e romances ao longo do tempo e da evolução literária de Machado.

A trindade habita intensamente, como protagonista, a maioria dos contos do ciclo 1858 (data do inaugural “Três tesouros perdidos”) — 1871 (época do excepcional “Mariana”), mormente nos contos “Confissões de uma viúva moça”,“Fernando e Fernanda”, “A felicidade pelo casamento” , “O anjo Rafael”, “A mulher de preto”, “Linha reta e linha curva”,“Miss Dolar”, “Ernesto de Tal”, “O machete”, “Aires e Vergueiro”, “Antes que cases”, e em todos os contos do período 1872-79. A tríade está nos romances Ressureição, A mão e a luva e Helena, anuncia-se algo transformada na transição representada por Iaiá Garcia, transmuta-se inteiramente em Memórias póstumas de Brás Cubas (quando surge consistentemente o cético, oriundo do homem de espírito transformado), reaparece em Quincas Borba, e, sob enfática perspectiva ,em Dom Casmurro, por fim chega a seu ocaso nos derradeiros romances Esaú e Jacó e Memorial de Aires (o cético atingindo seu cume no Conselheiro Aires) — e na última obra, a seara da redenção total da mulher machadiana (protagonizada por Carmo), definitivamente apartada da preferência pelo tolo ao invés e em vez do homem de espírito.

Os tolos são, via de regra, frívolos, estróinas, praticam as fórmulas socialmente estabelecidas, sua linguagem assemelha-se à retórica romântica dos folhetins, ostentam autoconfiança, são determinados e objetivos nas ações afetivas, até mesmo fingindo sentimentos e aparentando paixões com o fito exclusivo de conquistar a mulher. Exatamente ao contrário dos homens de espírito, que fracassam e são excluídos por não se coadunarem com os padrões de postura, convenções e relacionamento sociais e por acreditarem numa vida além e acima do jogo estratégico de aparências falsas e artificiais — mas se verá que ao longo do tempo e dos contos [e aqui convém lembrar o quanto os contos se constituíram de terreno e instrumento de experimentação, como meio fundamental do processo de evolução ficcional de Machado até a ‘inflexão’ do final da década de 1870/início de 1880, cujas causas e motivos tanto intrigam os analistas e estudiosos de Machado[6], numa espécie de aprendizado pelo fracasso, irão amadurecer, assumir uma atitude de reflexão sobre a "realidade aética da vida" vis-à-vis com a desilusão com as possibilidades da vida moral e transmutar-se no cético [7].

A transformação do homem de espírito se dá no cenário das metamorfoses processadas na criação ficcional machadiana. Não obstante o ‘aviso’ dado em Queda..., alertando para o insucesso do romanticismo, praticado em diferentes níveis e objetivos, Machado indica, nas obras iniciais, o amor romântico como solução — embora o narrador insinue ser um meio ingênuo — para depois trilhar caminhos mais audaciosos, o casamento por interesse ou conveniência (como forma de ascensão social — tema presente nos três primeiros romances e na maioria dos contos no decênio 1860-70) passando a ser não apenas um empecilho à concretização desse amor romântico — o casamento como elemento da razão, o amor como expressão do sentimento — as a mola propulsora da destruição, o problema deixando de ser visto dentro dos termos de relações de classes e passando a ser encarado sob a ótica mais ampla e universal da própria condição humana. Não por acaso em 1871 — um ano extrema e significativamente marcante na história brasileira do século XIX e na própria historiografia literária: o pano de fundo histórico-literário se altera, o Romantismo hegemônico no II Reinado está em vias de extinção, anuncia-se o Naturalismo, o cenário político-social aponta para outros horizontes, o próprio Império dá sinais de fragmentação e derrocada, ivencia-se um período de forte turbulência, ebulição e complexidade, avizinham-se a Abolição e a República — Machado começa a apontar para o superficialismo das relações humanas, as pessoas (homens e mulheres) tendo de viver sujeitos a valores sociais que lhes são impostos e dos quais somente poderão se libertar com mudanças radicais de consciência, de atitude e de atos, dando início a um processo de reflexão que será plenamente desenvolvido nas obras posteriores ; processo que o autor arrador protagoniza no homem de espírito-personagem, que passa do alheamento e distanciamento,da desesperança e da desilusão às gradativas adaptação e interação com a realidade, daí assumindo postura reflexiva e consciente, por fim transformando-se no cético — schopenhaueriano (de Schopenhauer), mas também e principalmente shandiano e menipéico [8] da obra machadiana pós-1880. Ceticismo que ,sabemos, é o fundamento da ficção machadiana [9], o desenvolvimento progressivo e cronológico da perspectiva cética delineando os caminhos (e atalhos) da própria evolução literária de Machado.

Se o macro-universo do entorno se transforma, o micro-universo literário deve acompanhá-lo: Machado pressente os novos tempos, convence-se da necessidade crucial de mudança, já exercita os primeiros passos do grande salto que virá no final dessa década, altera seu enfoque, sua temática, sua linguagem, seu estilo, sua estética literária — a começar pelos novos perfis dados a dois dos vértices do triângulo. Apenas dois, porque o tolo continuará com sua frivolidade e estoicismo, servil das convenções sociais e atado ainda à retórica romântica. De um lado, o homem de espírito muda, amadurece, estabelece nova relação com a mulher — recusando terminante e objetivamente aquelas que fingem e ostentam--caminha da contemplação para o ceticismo; de outro, a senhorinha ingênua, namoradeira, festeira, ‘casamenteira’(por interesse ou conveniência) cede lugar, primeiro à mulher matrimonial (por sentimento ou segurança), voltada para a vida íntima, para “a paz doméstica”, tornando-se depois — pelo rompimento gradativo dessa paz e a fragilidade dessa vida doméstica — vulnerável à “vida exterior”, “estratégica”, dual, determinada, paradoxal, adúltera, culminante na ‘obliquidade’ e dissimulação da incerta Capitu.

A ‘nova’ mulher machadiana deplora a frivolidade do tolo (com quem se casou) e passa a se inclinar para o homem de espírito (de quem é amante). Machado, como supremo criador, atento e obediente aos ditames sociais-‘ideológicos’ dos novos tempos, interfere no processo: o que o homem de espírito não logrou — modificar a natureza das mulheres — nem o narrador obteve — até porque nesse momento/processo o narrador onisciente e onipotente abre mão de suas ‘prerrogativas’ — o autor, aqui na qualidade do denominado “autor intruso” (que se intromete na relação do narrador com os personagens), o faz, porém, como sempre em toda sua obra ficcional, convoca o leitor à acurada reflexão sobre a preferência da mulher — quer a antiga quer a atual — e deixa-lhe a responsabilidade do julgamento conclusivo. A ele cabe dizer afinal o que pensam/querem as mulheres. Em Dom Casmurro a história de amor e ciúme de Bento Santiago e Capitolina representam a reescrita não apenas de Otelo de Shakespeare, mas das principais peças teatrais do dramaturgo inglês: Machado embebeu-se nas lições shakespeareanas e delas impregnou seu romance mais lido e estudado, conseguindo atar, finalmente, as duas pontas de sua carreira literária — a de tradutor, iniciada em sua juventude, paralelamente com a de dramaturgo, e a de romancista, já maduro. Nessa simbiose, inclusive, Machado como que prenuncia, cerca de 100 anos antes, a tese contemporânea — vigente no âmbito da Teoria Literária desde o final do século XX — proposta por especialista, “a ficção vista como nova fonte de teorização para a tradução”, a tradução aparecendo como fio condutor e meio operandi, quer tendo sido feita realmente em Queda que as mulheres têm para os tolos, quer ‘incorporada’ em Dom Casmurro, e estabelecendo vetores claros de inflexão em quatro etapas cruciais da vida literária de Machado. Um elo a ligar ‘primeiras obras’ — a pioneira publicada, o exercício teatral inicial, o romance precursor — com aquela que é a síntese, corolário, consolidação. Elo que se alonga mais, visto por outros aspectos e ângulos: vai a Esaú e Jacó e atinge o corolário final em Memorial de Aires. Nos dois derradeiros trabalhos, Machado opta por um expediente ficcional — dentre os vários que utiliza ao longo de sua obra – atribuindo a um morto a autoria desses romances, deslocando-se para uma condição ambígua de editor e crítico de si mesmo, fingindo abrir mão da autoria de seu texto — ambigüidade gerada e conduzida pelo mesmíssimo vetor que o fez, nos primórdios, assumir a também condição ambígua de ‘tradutor’ em Queda... e da mesma forma abrir mão da autoria de seu texto.

Por outro lado, ao se examinar alguns aspectos da atividade de tradutor em Machado de Assis [10], denota-se que em todas as traduções que fez, “se permitiu algumas licenças”, as quais demonstram que, para ele, o traduzir não deveria ser um ofício de menor valor na carreira de um escritor. Machado em sua ação tradutória não compartilhava com seus contemporâneos “o entendimento de cor local, no sentido dado pelo Romantismo — o etnocentrismo, o indigenismo, a paisagem natal como elementos essenciais para se criar uma literatura nacional genuína” — colocando-o em discordância com o momento cultural do País no século XIX. E ia além, criando e praticando um conceito da tradução — na verdade, um processo criador — que, entre outros aspectos, incorporava em maior ou menor grau sua célebre “teoria do molho” — segundo a qual "pode ir buscar a especiaria alheia, mas há de ser para temperá-la com o molho de sua fábrica.": vale dizer, embora bebesse nas fontes européias utilizadas como ‘comida para seus pensamentos’, ruminava os diversos alimentos e os transformavam em pratos tipicamente machadianos, pois tirava de cada coisa uma parte e fazia o seu ideal de arte, que praticava pioneiramente como ninguém — reaplicada e reutilizada numa perspectiva das teorias do comparatismo elaboradas por ele próprio, em muitos aspectos antecipadora da vertente atual dos estudos de Literatura Comparada. Como tradutor e crítico-teórico do traduzir, Machado desde o início de sua carreira literária percebeu como nenhum de seus contemporâneos a importância do papel da tradução como geradora e incentivadora do ‘diálogo’ entre textos, ou ‘diálogo entre literaturas’, como propiciadora da hoje extremamente citada e difundida intertextualidade — na qual, como em muitos outros campos e searas, foi ele também um precursor.

Tenha sido tradução ou não — em ambos os casos, manifesto eloqüente de criatividade de Machado — queda que as mulheres têm para os tolos ultrapassa os limites de seu próprio significado histórico, como obra debutante e reveladora para, estabelecendo elos e decorrências na atividade tradutória, na criação ficcional, na inspiração teatral, abrindo e fechando ciclos temáticos, oferecendo todas as possibilidades de análise, interpretação e reflexão, contextualizar-se na fértil e enorme seara da genialidade de Machado de Assis como uma das expressões mais proeminentes de verdadeira transcendência literária.

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[1] no prefácio escrito para a edição da ABL, de 1943 , Afrânio Peixoto menciona , com inteira aprovação, a tese de Lúcia Miguel-Pereira segundo quem a Queda...já mostrava, em esboço, a “Teoria do medalhão”, um dos contos mais característicos da última fase de Machado, daí tratar-se mesmo de um escrito original, e não uma tradução
[2] Massa teria tido acesso, segundo ele, à 4ª. edição da obra de Henaux, pertencente à Biblioteca Nacional de Paris. Jean-Michel Massa, Machado de Assis traducteur ; s.ed.*, Coimbra, 1966: o exemplar arquivado no Real Gabinete Português de Leitura,no Rio de Janeiro — uma “Separata do vol. IV das Atas do V Colóquio Internacional de estudos Luso-Brasileiros” -- registra “composto e impresso na Gráfica Coimbra”
[3] Ubiratan Machado, Machado de Assis, uma revisão ; ed. In-Folio, Rio de Janeiro ,1998.
[4] Machado de Assis, Teatro, org. Mario de Alencar, B.L.Garnier Editor, Rio de Janeiro, 1909
[5] Roberto Schwarz,“Mesa redonda”, in Bosi, Alfredo et alli, Machado de Assis ; ed.Ática, São Paulo, 1982
[6] a divisão da obra de Machado em duas fases ,apontada pela maioria dos críticos e estudiosos com base em critérios diversos – do chamado ‘pessimismo filosófico’ às técnicas literárias presentes nos escritos pós-1880 (em especial,segundo Enylton de Sá Rego a característica “unreliability” do narrador -- reúne avaliações concordes e discordes, parecendo apropriada a uns, como p. ex. Helen Caldwell em seu livro The Brazilian Othello of Machado de Assis [1960,p.161], e inadequada a outros, que acentuam – com o que concordo inteiramente -- a continuidade da obra (ficcional e não-ficcional)de Machado, como Silviano Santiago[2000,p.27] ao sustentar “(...) já ser o tempo de se começar a compreender a obra de Machado de Assis como um todo coerentemente organizado,... à medida que seus textos se sucedem cronologicamente certas estruturas primárias e primeiras se desarticulam e se rearticulam sob forma de estruturas diferentes, mais complexas e mais sofisticadas”, como Alfred MacAdam no livro Modern Latin American Narratives : The Drams of Reason [1977,pp. 1-28] e nos artigos “Machado de Assis : an Introduction to Latin American Satire” [in Revista Hispânica Moderna,37:180-7;1972-73] e “Rereading Ressureição” [in Luso-Brazilian Review,9:47-57,1973],até mesmo Maria Luisa Nunes em The Craft of na Absolute Winner [1983,p.64] que embora faça distinção da obra machadiana em “early works” e “later novels” sustenta “não haver dicotomia radical entre os primeiros romances e os cinco últimos”.
[7] a bem da verdade, registre-se que não havia como escapar,nos tempos do Império, da ‘ideologia’ moral-social que fazia o amor prisioneiro do casamento,o qual possibilitava a constituição da família: amar era casar , era adquirir título de propriedade – e para passar do amor ao casamento homens e mulheres tinham de se entregar a jogos sociais,cujas formas e modos se davam por posições opostas dentro da sociedade . o homem,por definição livre, submetia-se a ‘perda de liberdade’ , prendia-se à opção ‘racional’ do casamento; a mulher, prisioneira e submissa, via no amor (sentimento) um meio de libertar-se, para isso utilizando a característica primordial da mulher machadiana : a dissimulação. O tolo aceitava e praticava esses jogos, ao homem de espírito era impossível por sua formação e natureza.
[8] mister enfatizar que as drásticas mudanças temática, estilística e de linguagem realizadas por Machado no final da década de 1870/início da década de 1880 -- concretizando o grande salto literário de sua obra e criando uma linguagem ficcional e não-ficcional diferenciada, mescla do humor e da seriedade, do sarcasmo e da crítica social e política, do riso e do tédio, “da pena da galhofa e da tinta da melancolia” -- teve como instrumentos e ferramentais a forma shandiana e o shandismo [cf. Wbster`s International Dictionary , "shandean", "aquele que tem o espírito de Tristan Shandy"; "shandysm", "a filosofia de Tristan Shandy"- em referência à obra A vida e as opiniões de Tristam Shandy, um cavalheiro, de Laurence Sterne ] , para se utilizar da expressão magistralmente criada por Sergio Paulo Rouanet, inerente tanto ao romance e a contos como a crônicas. a expressão, hoje comum e consensual no meio da machadologia (e da machadofilia), define uma forma literária, que vindo de Sterne, de Xavier de Maistre, Almeida Garret e Denis Diderot,adquire em Machado sua substância mais consistente,simbiótica e conclusiva, inclusive dando a essa forma literária seus contornos e conteúdo definitivos. à forma shandiana estão associadas – não de modo genérico e onipresente , porquanto válido em algumas obras e autores, em outros não – a sátira menipéia(cuja origem está em Marco Terêncio Varrão ,116 a 27 a.C., com Saturae Menippeae: : o adjetivo menipéia provém de Menipo de Gadara, filósofo da escola dos cínicos, que viveu no século III a.C. e escreveu muito, mas nada nos chegou ) e a tradição luciânica( de Luciano de Samósata, um poeta da sátira menipéia, de espírito trocista) ), originadas de uma tradição grega, dos diálogos socráticos, que mesclam temas especificamente filosóficos com assuntos de retórica e dialética, eivados de hilaridade, comicidade e ironia: na duplicidade sério-cômico,abriga o popular, o erudito, o burlesco, tornando-se p. ex. um dos elementos basilares da carnavalização conceituada por Mikhail Bakhtin . Na obra machadiana a partir da década de 1880 denota-se a presença marcante de manifestações da sátira menipéia, como a paródia, o subterfúgio, a profanação, o disfarce e, em especial, a ‘desconstrução’ de formas literárias – presentes preponderantemente nos cinco romances finais .. a par de as características capitais associadas à tradição da sátira menipéia – extrema dificuldade de classificação genérica; caráter parodístico ; ponto de vista irônico e cético – serem justamente aquelas mais presentes em Queda..., assim como na denominada segunda fase romanesca , o livro inicial abriga questões em torno das quais gravitam importantes discussões sobre a obra machadiana e estabelece outro feixe de elos com a ficção posterior de Machado , em especial com o quinteto romanesco : a) a que gênero literário pertencem (Queda... e os romances Memórias póstumas de Brás Cubas,Quincas Borba, Dom Casmurro,Esaú e Jacó e Memorial de Aires)? b) como classificar de um lado, Queda..., na literatura do romantismo da década de 1860, de outro os cinco romances nas tendências dominantes na ficção brasileira e ocidental do final do século XIX ? c) como enquadrar os textos de Machado, ao parodiarem (no caso de Queda..., supostamente traduzindo) escritores e obras de literaturas estrangeiras, numa ‘tradição’ literária nacional brasileira? d) qual o significado do ceticismo/pessimismo filosófico de Machado, latente em Queda... e absolutamente hegemônico nos romances finais ?
[9] na última crônica escrita em 1897(em 28.02), na série “A Semana” para a Gazeta de Notícias, Machado expressa enfaticamente uma distinção entre ceticismo e pessimismo : “(...) não achareis linha cética nestas minhas conversações dominicais.Se destes com alguma que se possa dizer pessimista,adverte que nada há mais oposto ao ceticismo. Achar que uma coisa é ruim,não é duvidar dela, mas afirmá-la.O verdadeiro cético não crê, como o dr. Pangloss, que os narizes se fizeram para os óculos,nem, como eu, que os óculos é que se fizeram para os narizes ; o cético verdadeiro descrê de uns e de outros (...)”.[1937,v.26,pp.439-40]
[10] Jean-Michel Massa [in Machado de Assis traducteur] relaciona 48 textos traduzidos por Machado entre 1856 e 1894: estreando com o poema “On the receipt of my mother’s picture” [“Minha mãe”], publicado como “uma imitação de William Cowper”, e logo depois com o texto “A literatura durante a Restauração”, de Lamartine,em 1857,seguiram-se 16 peças de teatro (a primeira, “La chasse au lion”, de Vattier et De Najac ), 24 poemas, 3 ensaios, 2 romances, 1 conto , 1 fábula e até 1 canção — sendo 39 textos oriundos do francês,4 do inglês, 3 do alemão, 1 texto cada do italiano e do espanhol. — de autores, entre outros, como Lamartine, Dante Alighieri, Alexandre Dumas Filho, Chateaubriand, Racine, La Fontaine, Alfred de Musset, Molière, Victor Hugo, Beaumarchais, Shakespeare, Charles Dickens, Edgar Allan Poe, Schiller e Heine (ambos a partir de versões francesas) — p. ex. o Canto XX do “Inferno”, da Divina Comédia , de Dante , monólogo de Hamlet “To be or not to be”, de William Shakespeare , Os trabalhadores do mar, de Victor Hugo, parte de Oliver Twist. , de Charles Dickens, “Suplício de uma mulher”, de Alexandre Dumas Filho e Emile de Girardin , “Prólogo do Intermezzo”, de Heinrich Heine, “O corvo”, de Edgar Allan Poe.

terça-feira, 23 de junho de 2009

A Metamorfose Ambulante de Raul Seixas (60 anos do rei do rock tupiniquim)

Gustavo Dourado
gustavodourado@yahoo.com.br
Poeta, escritor, cordelista, pesquisador, jornalista.

Raul Seixas deixou um vácuo gigantesco na música e na cultura moderna, especialmente no propalado e combalido rock brasileiro, que com a morte de Raul perdeu a sua vitalidade.. Raul era único, ímpar, sem igual, inimitável. Criador fantástico, rebelde, instigante, precioso, fenomenal. Um vulcão de idéias e ações inovadoras.

Roubou a cena da música pop com as performáticas “Gita” e “Ouro de Tolo”, entre tantas outras.Foi o primeiro a falar em ets e discos voadores. Quebrou os velhos tabus, rótulos, regras e paradigmas impostos pelo caótico e anacrônico “establishment” do capitalismo selvagem, desumano e cruel. Ah! Também pudera “Raul nascera a 10 mil anos atrás e não tinha nada nessa vida que ele não sabia demais e como sabia”. O homem era uma verdadeira zenciclopédia. Além de tudo mais é filho da Bahia de Todos os Santos, Terra dos Orixás, do Senhor do Bonfim e de São Jorge Amado dos Ilhéus.

Raul faz tanta falta para a música, assim como Glauber Rocha para o cinema. Raul empolgava, sacudia, remexia e incrementava sonhos desejos e idéias. Previu e cantou a “Sociedade Alternativa” preconizada por utopistas, beatniks, hippies e poetas.Criticou a mídia, a moda e a sociedade de consumo. Não perdoava a corrupção e as malandragens dos políticos, cada vez mais presentes em nosso cotidiano. Viva! Viva! Viva a Sociedade Alternativa, ecoava o saudoso vate do Apocalipse e da revelação do Novo Eon.

Raul era reflexivo e analítico. Preocupava–se com as causas da brasilidade, a Amazônia, a fome, a miséria, o Nordeste, o subdesenvolvimento e o entreguismo de nosso rico patrimônio pelas elites, aos poderosos predadores estrangeiros. Ele gritou em alto bom som para que todos ouvissem:

“A solução é alugar o Brasil.” Raul constatou o descaso que se tem com aquilo que é nosso. Doaram nossas riquezas por moedas podres. Privatizaram o nosso subsolo e leiloaram os nossos minérios a preço de banana. Entregaram o ouro ao bandido.

Desviam nosso dinheiro para contas secretas na Suiça e nos escondidos paraísos fiscais. Enquanto isso o povo passa fome e padece com a falta de saúde, emprego e educação, sem falar de outras necessidades básicas dos direitos humanos fundamentais.Tudo isso é imperdoável. Se estivesse vivo e não o censurassem, Raul poria a boca no trombone, no rádio, na tv, na Internete, no megafone e onde fosse possível falar.

Com certeza, ele não compactuaria com os desmandos da "república do mensalão", dos mensalinhos e de tantos pecados capitais que prejudicam o nosso País e ao nosso sofrido povo trabalhador e desprotegido, que tem de pagar as mais altas taxas de Imposto do mundo e pagar pelo que já pagou, como no caso da funesta aposentadoria. Nos venderam gato por lebre.

Raul era irônico, crítico, satírico, autêntico. Ele metia o dedo na ferida. Não via com bons olhos o comportamento duvidoso de alguns “papas” da mídia e dos meios de comunicação e principalmente a esperteza de alguns “artistas” da MPB. Questionava com rigor os jabaculês e a imprensa chapa branca, domada e dominada pelo “toma lá da cá” das grandes multigravadoras.

Raul Seixas fez história, marcou presença. Desarranjou a comportada orquestra oficial. Literalmente Raul “arrombou a festa”. Provocou uma tsunami e um terremoto no morno panorama cultural brasileiro dos anos 70 e 80. Raul Seixas transcendeu todos os ritmos. Está no mesmo nível de Elvis Presley, John Lennon e Bob Dylan . É um monstro sagrado da arte e da criação. Tinha em suas raízes a magia dos cantadores repentistas, dos poetas cordelistas e dos mais autênticos representantes da cultura pop. Misturou Luís Gonzaga e Jackson do Pandeiro com Beatles e Rolling Stones. Mesclou a quintessência do rock, com o repente, o rap, xote-xaxado-baião, num autêntico forrobodó eletrônico.

Raul profetizou a Nova Era, o novo tempo e reavivou o Apocalipse com a suas transcendentais revelações de mago e pensador revolucionário. Não é à toa, que Zé Ramalho, genial trovador do Nordeste Brasileiro, sempre foi um admirador do mestre Raulzito e um dos melhores intérpretes da poetimusical Raulseixista.

Raul é um dínamo, um íma, um vate que nos ilumina, com a sua verve cabalística, alquímica, transformadora e magistral. Raul é pura poesia. É uma megaláxia que transnavega pelas plagas inifineternas dos Multiversos. Evoé Raul Seixas...

Anexo: Entrevista para Nelson Motta.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Nova ortografia portuguesa

Marcelo Moraes Caetano
mmcaetano@hotmail.com
Escritor e professor de português e literaturas, tradutor de inglês, francês e alemão.


Acordo Ortográfico: seu principal objetivo

A língua portuguesa é o terceiro idioma mais falado - e, consequentemente, escrito - no mundo ocidental, ficando atrás, apenas, do inglês e do espanhol. Diante das rápidas modificações tecnológicas, que cada vez mais aproximam pessoas pelo mundo, é natural que cresça a preocupação com um dos principais veículos comunicativos de que os povos dispõem: A LÍNGUA ESCRITA. É exatamente esta a modalidade do idioma que está sendo enfocada pelas discussões relativas à nova ortografia.

O principal objetivo dessa tentativa de unificação das escritas, portanto, é facilitar o intercâmbio de informações que requeiram o uso da língua oficial. Visa-se, com isso, então, à melhora no fluxo das relações interpessoais que necessitem da língua normativa como intermediador comunicativo - de que são exemplos o comércio internacional, a publicação de artigos, a edição de livros, periódicos e similares, a confecção de contratos entre os países e assim por diante. Dessa maneira, é buscado o consenso no âmbito da elaboração de textos que, de alguma forma, por meio da escrita, devam percorrer as nações envolvidas e, nelas, ao longo do tempo, permanecer registrados.

Devemos lembrar, por fim, que as modificações propostas não irão erradicar as diferenças regionais dos países em questão, os PALOPS (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), membros da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) - a saber: Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor Leste -, que têm Histórias próprias, com formações culturais distintas e riquíssimas. Mesmo dentro do nosso país, que possui dimensões continentais, as diversidades hão de permanecer, sem que, com isso, a preocupação com a unidade normativa se desfaça. O Acordo, pois, não é uma tentativa de igualar as múltiplas identidades culturais dos povos envolvidos, mas, sim, um esforço para que se diminuam as distâncias dentro da comunicação que tenha a língua escrita oficial como ferramenta necessária.

O trabalho a seguir cataloga não apenas as modificações ocorridas na ortografia da Língua Portuguesa a partir de 1 de janeiro de 2009, como também expõe e discute todo o novo paradigma ortográfico da língua a partir de então, fazendo-se referência também às regras que não foram alteradas com a sanção promovida pelo Decreto 6583, de 29 de setembro de 2008.

Como as grandes bases modificativas estão em torno da ORTOGRAFIA, ACENTUAÇÃO GRÁFICA e HÍFEN, foi exatamente em cima desses pontos que me detive.



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PRIMEIRA PARTE: A ACENTUAÇÃO GRÁFICA NA LÍNGUA PORTUGUESA ATUAL



I – PROPAROXÍTONAS:



Todas serão acentuadas graficamente:

Árvore, límpido, álibi, cálice, físico, lépido, ônibus, tônico

OBSERVAÇÃO:

Manteve-se a flutuação de pronúncia e de acentuação tônica em certas palavras, que têm timbre aberto em Portugal e fechado no Brasil. Assim, aceitam-se como formas sincréticas, palavras proparoxítonas como:

Antônio/António
Tônico/ tónico
Fenômeno / fenómeno
Acadêmico / académico

II – MONOSSÍLABOS TÔNICOS:

São acentuados os terminados em A, E ou O, com timbre aberto ou fechado, seguidos ou não de S:

Pá, pé, pó, sê, dê, vê, quê

OBSERVAÇÃO:

Os verbos seguirão as mesmas regras, mesmo que haja ênclise ou mesóclise:


bebê-lo-á, pô-lo-á, pôs

ATENÇÃO:

Por clareza gráfica, as formas verbais monossilábicas terminadas em em, se da terceira pessoa do plural, serão acentuadas graficamente (acento circunflexo):



Ele tem / eles têm
Ele vem / eles vêm


assim como os verbos daí derivados, que, no entanto, não serão mais, obviamente, monossilábicos: eles detêm, eles provêm. Observe-se que as formas de 3. pessoa do singular receberão, nos verbos derivados, acento agudo: ele detém, ele provém; o que, repita-se, não ocorre com os monossilábicos nesta mesma pessoa. A acentuação gráfica destes verbos é assunto polêmico sob diversos pontos de vista, pois são utilizadas regras pertinentes a vários itens para se chegar a um consenso: ele tem (não acentuado por ser monossílabo não terminado em a, e ou o); ele detém (paroxítona terminada em em); eles têm/ detêm (acentos que servem de clareza gráfica, para que se difira esta forma da da 3ª pessoa do singular). Tornaremos ao assunto na parte em que tratamos da acentuação de algumas formas verbais específicas.

III – OXÍTONOS:

São acentuados os terminados em A, E, O EM (ENS), seguidos ou não de S:

Cajá, sapê, sofá, avô, avó, parabéns, refém, também, bebê-lo-ia, dispô-lo, amá-la, convém, amém

IV – PAROXÍTONOS

São acentuados os não terminados em A, E, O ou EM (ENS) seguidos ou não de S. Essa regra, mais prática, é, na verdade, correspondente a esta outra; são acentuados os vocábulos paroxítonos terminados em l, i, n, x, us, um, r, ã, ão, ps, om, on, seguidos ou não de s:

Vígil, cáqui, hífen, Félix, bônus, álbum, mártir, órfã, órfão, fórceps, rádom, códon etc.

OBSERVAÇÃO:

Não se acentuarão os paroxítonos terminados em -ens, uma vez que os oxítonos assim terminados o serão: hífen / hifens, pólen / polens , abdômen / abdomens etc.

Não se acentuam, embora segundo a regra devessem sê-lo, prefixos tais que anti-, nuper-, semi-, super-.

Repare-se que os vocábulos item e itens não são acentuados graficamente, este por ser paroxítona terminada em -ens (q.v. obs. abaixo), aquele por ser paroxítono terminado em -em. Se este vocábulo fosse acentuado no singular ou no plural, estes outros também o seriam: nuvem/nuvens; jovem/jovens (!).

ATENÇÃO:

Os vocábulos paroxítonos terminados em ditongo ou ditongo + M também são acentuados graficamente:

espécie(s), páscoa(s), régua(s) etc.

averíguo, averíguas, averígua, averíguam, averígue, averíguem etc.

OBSERVAÇÃO:

Há uma flutuação na pronúncia dos verbos terminados em guar, quar e quir, como averiguar, apaziguar, desaguar, enxaguar, obliquar, delinquir etc.

Esses verbos admitem dupla pronúncia em algumas formas do presente do indicativo, do presente do subjuntivo e também do imperativo.

Assim sendo, podem ocorrer duas circunstâncias:

1)Se forem pronunciadas com a ou i tônicos, essas formas devem ser acentuadas.

enxáguo, enxáguas, enxágua, enxáguam; enxágue, enxágues, enxáguem.
verbo delinquir: delínquo, delínques, delínque, delínquem; delínqua, delínquas, delínquam; averíguo, averíguas, averígua, averíguam, averígue, averíguem.

2) Se forem pronunciadas com u tônico, essas formas deixam de ser acentuadas.

(a vogal sublinhada é tônica, devendo ser pronunciada mais fortemente que as outras):

enxaguar: enxaguo, enxaguas, enxagua, enxaguam; enxague, enxagues; delinquir: delinquo, delinques, delinque, delinquem; delinqua, delinquas, delinquam; averiguo, averiguas, averigua, averiguam, averigue, averiguem

ATENÇÃO:

No Brasil, a pronúncia mais frequente é a primeira, com a e i tônicos.

V - DITONGOS TÔNICOS ABERTOS ÉI, ÉU, ÓI

1) São acentuados, QUANDO EM PALAVRAS OXÍTONAS:

chapéu, réis, papéis, heróis, mói.

2) EI e EU, mesmo quando abertos, não recebem acento gráfico quando em palavras paroxítonas:

ideia, europeia, joia, boia, apoia, heroico, estoico, ureia

VI - HIATOS

O i e o u orais precedidos de outra vogal, se formarem sílaba sozinhos ou com o s (hiato), serão acentuados graficamente: saída, saís, faísca, saúde etc.

Se o i ou o u forem nasais (seguidos de n, m ou nh) ou seguidos de l, r, z, i e u, formando sílabas com estes, não serão acentuados graficamente: ainda, bainha,ruim, paul, juiz (mas juízes), raiz (mas raízes), pauis.

Se a vogal átona for igual à tônica, dispensar-se-á, também, o acento gráfico: mandriice,vadiice,paracuuba.

OBSERVAÇÃO:

Se vierem em palavras paroxítonas, e precedidos de ditongo, o I e o U também deixam de receber acentuação gráfica:

feiura, Bocaiuva, janauira, baiuca, cauila

VII - HIATO DE ALGUMAS FORMAS VERBAIS

Não é mais acentuado o primeiro e do hiato -e/em das terceiras pessoas do plural dos verbos crer, ler, ver e dar, este último no presente do subjuntivo, aqueles três no presente do indicativo: creem, leem, veem, deem.

Também os hiatos o-o, dos verbos terminados no infinitivo em -oar, ou dos substantivos daí provenientes, deixarão de ser graficamente acentuados: perdoo, enjoo, voo (substantivo ou verbo), abençoo, doo etc.

OBSERVAÇÃO:

É claro que as terceiras pessoas do singular, por serem monossílabos tônicos terminados em e, receberão acento: crê, lê, vê, dê.

Não confundir com o verbo vir, que se grafa: ele vem, eles vêm

ATENÇÃO:

Passa a ser facultativo o uso do acento gráfico (agudo) na primeira pessoa do plural (NÓS) no pretérito perfeito dos verbos da primeira conjugação (vogal temática A)

Eu amei
Tu amaste
Ele amou
Nós amamos / amámos
Vós amastes
Eles amaram

Repare que esse acento não existirá no presente do indicativo

Eu amo
Tu amas
Ele ama
Nós amamos
Vós amais
Eles amam

Também se poderá usar, facultativamente, o acento gráfico (circunflexo) na primeira pessoa do plural (NÓS) do presente do subjuntivo do verbo DAR:

(que) eu dê
(que) tu dês
(que) ele dê
(que) nós demos / dêmos
(que) vós deis
(que) eles deem

VIII - ACENTO DIFERENCIAL

Não se usa mais o acento que diferenciava os pares pára/para, péla(s)/pela(s), pêlo(s)/pelo(s), pólo(s)/polo(s) e pêra/pera.

ATENÇÃO:

1) São mantidos os acentos que diferenciam os verbos pôde (pretérito perfeito) e pode (presente do indicativo)

2) O substantivo fôrma tem acento diferencial de timbre facultativo, para diferenciá-lo de forma, sempre de timbre aberto.

3) Continua havendo o acento diferencial de intensidade entre o verbo PÔR e a preposição POR.

IX – TREMA

É inteiramente abolido, somente subsistindo em nomes de grafias estrangeiras:

Tranquilo, cinquenta, quinquênio, eloquente, sequência, Müller


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SEGUNDA PARTE: O HÍFEN NA LÍNGUA PORTUGUESA ATUAL


Serão ligados por hífen os elementos formadores de uma palavra composta (por justaposição) ou derivada (por prefixação ou sufixação, este último caso um pouco menos freqüente), com os pré-requisitos de, naquela primeira circunstância: 1) manterem, ambos os elementos da palavra composta, individualidade fonética, isto é, de conservarem a acentuação tônica - e às vezes gráfica - originária (autonomia fonética); 2) manterem a forma gráfica com que figuram quando não componentes da palavra composta (autonomia gráfica e mórfica) e; 3) assumirem, após a junção, e mediante análise do conjunto, uma unidade de sentido distinta dos vocábulos originários quando individualmente analisados, sem que, naturalmente, esses vocábulos componentes se tenham esvaziado semanticamente por completo (dependência semântica).

Assim, entre inúmeros outros vocábulos, apresentarão hífen: água-marinha, arco-íris, guarda-roupa, porta-chapéus super-homem, bem-te-vi, cor-de-rosa, corre-corre, lusco-fusco, pátria-mãe, surdo-mudo etc.

Além disso, as novas palavras formadas devem ter explícitos os elementos que as compuseram, isto é, esses elementos devem apresentar, sincronicamente, livre curso na língua, o que equivale a dizer que deverá ser nítida a consciência do falante face à composição ou à derivação processada: bem-querer (mas benquisto), bem-vindo (Benvindo é antropônimo), bem-me-quer (mas malmequer), mal-amado, bem-amado etc. Notem-se as seguintes palavras: bendizer, bendito, maldizer, maldito, benfazejo, malfazejo, malfeito (mas bem-feito), má-formação (ou malformação), má-criação (ou, embora não registrado em todos os dicionários, apesar de notoriamente consagrado pelo uso, malcriação) etc.

Não obstante, haverá, de fato, certas regras secundárias que se deverão seguir, regras estas que, com efeito, não raramente infringem, e às vezes posto que de certa forma ampliando, os preceitos diretores acima expostos.

OBSERVAÇÃO:

Não se usa o hífen em certas palavras que perderam a noção de composição, como girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, catavento, paraquedas, paraquedista, altofalante, arcondicionado etc. Há, no entanto, algumas dessas palavras quem se mantêm sincréticas, como alto-falante, ar-condicionado, cata-vento.

OUTRAS REGRAS

1) Os compostos cujos elementos provenham de alguma forma de redução fonética (seja abreviação, regressão etc.) receberão, de regra, o hífen: bel-prazer, és-sueste, su-sueste, recém-convertido, grã-fino, grão-mestre etc.

2) Sempre serão seguidos de hífen os seguintes elementos:

2.1) além-, aquém-, recém- (apócope de recente(mente) - cf. item 1), nuper-, sem-, grã- (apócope de grande - cf. item 1) e grão- (paretimologia; masculino suposto de grã [i]), vice-, vizo-, sota-, soto-: além-mar, aquém-fronteira (exceções: Alentejo, Aquentejo, alentejano, aquentejano; diante de topônimos, os prefixos se conservam separados: aquém Pireneus, além Pireneus etc.), recém-feito, nuper-publicado, sem-vergonha, grã-duquesa, grão-duque, vice-governador, vizo-rei, sota-vento, soto-capitão, sem-vergonha, sem-cerimônia, sem-terra etc.

2.2) ex- (com o sentido de ruptura de uma antiga condição): ex-ministro, ex-aluno, ex-presidente etc.

OBSERVAÇÃO: exportar, excomungar, expatriar etc. são formações apenas diacronicamente depreensíveis, além de o prefixo ex- significar, aqui, “movimento para fora” (equivalendo ao grego ec-; q.v. nosso trabalho sobre prefixos gregos e latinos e suas equivalências). Em certas expressões latinas, ainda aparece o elemento, tendo, em alguns casos, o hífen, e, em outros, não (num caso ou noutro, ler-se-á /eks/): ex-corde (fórmula de cortesia com que se fecham cartas a pessoas íntimas), ex-abrupto (= de repente), ex-officio (por dever do cargo, “ossos do ofício”), ex adverso (o advogado da parte contrária), ex aequo (segundo os princípios da equidade) etc.

2.3) pós-, pré-, pró- (naturalmente apenas quando tônicos): pós-moderno, pré-histórico, pró-juventude, pró-europeu, pós-graduação, pré-vestibular. Se átonos, escrever-se-ão os prefixos sem hífen: pospor, preestabelecer, promagistrado, preocupar, preopinar, prefigurar etc.

OBSERVAÇÃO: Atente para a diferença entre pré-fixar, isto é, “fixar com antecedência” e prefixar, isto é, “apor um prefixo”, ou “dar forma de prefixo”.

2.4) ad-, com palavras iniciadas por d ou r: ad-digital, ad-renal

2.5) sub-, com palavras iniciadas por b ou r: sub-base, sub-região, sub-reptício

ATENÇÃO: Além dos prefixos AD e SUB, também os prefixos AB, OB e SOB serão seguidos de hífen quando estiverem diante de palavra iniciada por R. Isso será mostrado adiante, quando tratarmos dos prefixos e o hífen:

sub-região
sub-raça
sub-reptício
ab-rogar
sub-reitoria
ab-rupto (ou abrupto)
ob-reptício

2.6) co(m)-, em formações muito recentes: co-fundador, co-proprietário, co-piloto, co-seguro, co-administração etc. Podemos dizer, no entanto, que as formas já de há muito consolidadas na língua não recebem, ainda hoje - porque dessa forma tiveram sua gênese -, o hífen: coabitar, coabitação (MAS: co-habitação, forma sincrética), coadjuvar, coadjuvante, coirmão (confrade em ordens religiosas; ou primos, filhos dos irmãos), coadjutor, coobrigar, coobrigação, coexistir, correlação, cooperar, cooptar, coocupante, coordenar, colidir.

Com efeito, para que se separem prefixo e vocábulo com hífen, é preciso que se reconheça ser o co-, de fato, um prefixo, indicando, como vimos, concomitância, comunidade; desse modo, não se extrairá nunca um prefixo, por exemplo, de cochinês, que, ao contrário do que poderia aparentar, não se refere a alguém simultaneamente (a alguma outra coisa) chinês, mas, sim, a alguém proveniente da Índia, mais especificamente de Cochim, vocábulo este em que se desconheceria, modernamente, qualquer prefixação, ainda que tenha havido, e ainda que, na sua origem, tenha-se de fato referido a alguém simultaneamente chinês, o que, hoje, não interessa.

2.7) As formas adjetivas ou substantivas compostas, reduzidas, pátrias ou não, desde que os elementos sejam todos da mesma classe: ínfero-anteriores, ântero-dorsais, súpero-posteriores, póstero-palatais, político-econômicos, médico-clínico-cirúrgico, histórico-geográficos, greco-romanos, anglo-germânicos, afro-descendente etc.

3) Elementos sempre precedidos de hífen:

3.1) Elementos, atuando como sufixos, provenientes de adjetivos tupi-guaranis como: -açu, -guaçu, -mirim: capim-açu, amoré-guaçu, anajá-mirim etc.

OBSERVAÇÃO: O sufixo -mor é sempre seguido de hífen (q.v. item 3.3, abaixo). “Já com guaçu e mirim”, diz-nos Valter Kehdi (Formação de palavras em português, 2. ed., São Paulo, Ática, 1997, p. 29), “a condição é que o primeiro elemento termine em vogal nasal ou acentuada graficamente: maracanã-guaçu / socó-mirim”.

3.2) Os pronomes oblíquos:

3.2.1) Em posições enclítica e mesoclítica (nesta última, o hífen também ocorrerá após o pronome): dar-se-nos-á (combinação de dois pronomes), bebi-o, comê-lo-ia, dar-lhe-ei etc.

3.2.2) Servindo de objetos diretos contraídos com os pronomes nos e vos:

no-lo(s), vo-lo(s), no-la(s), vo-la(s).


3.2.3) Após a expressão eis: ei-lo(s), ei-la(s).

OBSERVAÇÃO: Repare-se que haverá perda do S final de EIS.

3.3) -mor, sufixo sinônimo de “maior”, de que é redução fonética: altar-mor, guarda-mor etc. (Q.v. item 3.1.)

3.4) O substantivo “feira” nos dias da semana: segunda-feira, terça-feira.

OBSERVAÇÃO: A simplificação, prática que se vem estendendo entre nós, sobretudo na imprensa escrita (e mesmo na falada), dada a exiguidade do espaço e do tempo consagrada a essas imprensas, não pede, ao menos neste caso (com os dias da semana), hífen. Portanto, não se escreverá, ao se incorrer na simplificação aludida: segundas- e terças-feiras, mas, sim, segundas e terças-feiras. A simplificação vocabular é prática comuníssima entre os alemães, não devendo ser irrestrita e desregradamente adotada pelos falantes da língua portuguesa. Encontramos em Gilberto Mendonça Telles (in Modernismo brasileiro e vanguarda européia) a seguinte frase, por nós grifada nos dois momentos: “(...) e movimento (...) que pôde mais rigorosamente sondar a sub- ou a super-realidade da alma humana.” Muito se tem lido acerca de “macro e microcosmo” etc., etc. Se se for pródigo nesta prática, insistimos, não tardarão frases como: “é preciso avaliarmos as ex e as importações brasileiras”, em que, além do acento intelectual recaindo sobre os prefixos, para evidenciá-los, haverá a própria elipse concreta do radical comum da palavra, como se este fosse, visto que notório (de fato), um elemento secundário, de somenos valor. Evanildo Bechara, analisando os casos em que há complementos de termos de regências diferentes (LPAS, 64), arrola: ele era super e arquimilionário, utilizando a expressão por nós admitida válida: simplificação.

4) Formas obsoletas de artigos definidos:

4.1) O antigo artigo el, posto que verdadeiramente desusado, dever-se-á prender ao substantivo rei: el-rei.

4.2) A forma lo aparece, com suas flexões, ainda que mui exiguamente, junto a mais, caso em que se usará hífen: mai-lo (= mais o); v.g.: “Veio da terra, mai-lo seu moinho” (A. Nobre, apud Cunha-Cintra, 200).

Também nos chegou, de Graciliano Ramos (apud Lapa, ELP, 157) “Difícil imaginá-las (= imaginar as) frações de pessoas, misturadas, decompondo-se num monturo” (Infância, ed. 1945, pág. 196). Lapa arremata:

É aliás o processo do galego atual, retintamente popular: “Vai levá-lo neno ao médico”. (id. ib.)
5) Compostos semânticos vocabulares que denotam encadeamentos topográficos, geralmente geográficos:

Conexão Beirute-Bagdá
Ligação hidrogênio-carbono
Eixo Rio-São Paulo
Ponte Rio-Niterói

6) Deve-se usar o hífen na separação silábica:

Car-ro-ce-ri-a
Mar-su-pi-al

OBSERVAÇÃO: Na translineação, usa-se também o hífen. Por uma questão de clareza gráfica, deve-se usar o hífen nas duas linhas do vocábulo separado se, no local onde houve a separação, ocorresse originalmente o hífen;

Super-homem / Super-
-homem

Dê-me / Dê-
-me

7) PREFIXOS PSEUDOPREFIXOS E O HÍFEN:

OBSERVAÇÃO: Chama-se pseudoprefixo aquele elemento que, tendo origem num radical vernáculo, passou a comportar-se de modo idêntico, para efeitos morfológicos, aos prefixos comuns, configurando o que Celso Cunha chama de RECOMPOSIÇÃO:

Assim, no pensamento contemporâneo, os pseudoprefixos abaixo apresentam tais significações:

AUTO (= carro)
AERO (= avião)
HIDRO (= água)
HOMO (= homossexualidade)
Etc.

Note-se que, originariamente, AUTO é sinônimo de PRÓPRIO; AERO de AR; HIDRO de HIDROGÊNIO; HOMO de SEMELHANTE etc.

Assim, são casos de recomposição, com pseudoprefixos: AUTOESPORTE (não “esporte próprio”, mas “esporte de carro”), AEROPORTO (não “porto no ar”, mas “porto de avião”), HIDRÓFILO (não “amor ao hidrogênio”, mas “amor à água”); HOMOFOBIA (não “aversão ao semelhante”, mas “aversão ao homossexual”).

A) Qualquer prefixo será seguido de hífen quando estiver diante de palavras iniciadas por H:

anti-higiênico
anti-histórico
co-herdeiro
macro-história
mini-hotel
proto-história
sobre-humano
super-homem
ultra-humano

EXCEÇÕES: subumano, desumano, inábil etc.

B) PREFIXOS TERMINADOS EM VOGAL

B.1) Usa-se o hífen quando o prefixo termina em vogal e a palavra seguinte começa com vogal idêntica:

anti-ibérico
anti-imperialista
anti-inflacionário
anti-inflamatório
auto-observação
contra-almirante
contra-atacar
contra-ataque
micro-ondas
micro-ônibus
semi-internato
semi-interno

B.2) Não se usa o hífen quando o prefixo termina em vogal e a palavra seguinte se inicia com vogal diferente:

aeroespacial
agroindustrial
anteontem
antiaéreo
antieducativo
autoaprendizagem
autoescola
autoestrada
autoinstrução
autoanálise
coautor
coedição
extraescolar
infraestrutura
plurianual
semiaberto
semianalfabeto
semiesférico
semiopaco

B.3) Não se usa o hífen quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa com R ou S. Neste caso, duplica-se o R ou o S:

antirrábico
antirracismo
antirreligioso
antirrugas
antissocial
biorritmo
contrarregra
contrassenso
cosseno
infrassom
microssistema
minissaia
multissecular
neorrealismo
neossimbolista
semirreta
ultrarresistente
ultrassom
ultrarromantismo

B.4) Não se usa o hífen quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa com consoante diferente de R ou S.

anteprojeto
antipedagógico
autopeça
autoproteção
coprodução
geopolítica
microcomputador
pseudoprofessor
semicírculo
semideus
seminovo
ultramoderno

C) PREFIXOS TERMINADOS EM CONSOANTE

C.1) Usa-se o hífen quando o prefixo termina em consoante e o segundo elemento começa pela mesma consoante.

hiper-requintado
inter-racial
inter-regional
sub-bibliotecário
ad-digital
super-racista
super-reacionário
super-resistente
super-romântico

C.2) Não se usa o hífen quando o prefixo termina em consoante e o segundo elemento começa com consoante diferente:

Supermercado
Intermunicipal
Supersônico

C.3) Não se usa o hífen quando o prefixo termina em consoante e o segundo elemento começa por vogal.

hiperacidez
hiperativo
interescolar
interestadual
interestelar
interestudantil
superamigo
superaquecimento
supereconômico
superexigente
superinteressante
superotimismo

ATENÇÃO: Com o prefixos SUB, AB, AD, OB e SOB usa-se o hífen também diante de palavra iniciada por R, conforme havia sido mostrado acima

sub-região
sub-raça
sub-reptício
ab-rogar
sub-reitoria
ab-rupto (ou abrupto)
ob-reptício

OBSERVAÇÃO: Com os prefixos circum e pan, usa-se o hífen diante de palavra iniciada por M, N e vogal:

circum-navegação
pan-americano

RESUMO: PREFIXOS E HÍFEN

1) Sempre se usa o hífen diante de H:

anti-higiênico, super-homem.

2) Prefixo terminado em vogal:

2.1) Com hífen diante de mesma vogal:

contra-ataque, micro-ondas.

2.2) Sem hífen diante de vogal diferente:

autoescola, antiaéreo.

2.3) Sem hífen diante de R e S. Dobram-se essas letras:

antirracismo, antissocial, ultrassom.

2.4) Sem hífen diante de consoante diferente de R e S:

anteprojeto, semicírculo.

3) Prefixo terminado em consoante:

3.1) Com hífen diante de mesma consoante:

inter-regional, sub-bibliotecário.

3.2) Sem hífen diante de consoante diferente:

intermunicipal, supersônico.

3.3) Sem hífen diante de vogal:

interestadual, superinteressante.

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[i] Daí, em Herculano, em sua obra O Bobo, encontrarmos o feminino -grão, que, no entanto, na edição Clássicos de Ouro, da Edições de Ouro, Rio de Janeiro, s/d, Introdução de Josué Montello, p. 86, está sem hífen: Apraz-te, meu sobrinho, o ver esta grão peça de cavaleiro (...). E também em Camões (Edição d’Os Lusíadas comentados por A. Epifânio da Silva Dias, reprodução fac-similada da 2. ed., Ministério da Educação e Cultura, 1972, p. 194 - III, 114-115): Com tanta mortindade, que a memoria / Nunca no mundo vio tão grão victoria. Aliás, é de certa forma contundente o uso dessa forma apocopada de que vimos tanto tecendo comentários. Em Rubem Braga, por exemplo (O Sino de Ouro, in Elenco de Cronistas do Modernismo, 15. ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1997, p. 53), vemos: Lembrança de antigo esplendor, gesto de gratidão, dádiva ao Senhor de um grã-senhor (...).”


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990

Decreto 6583, de 29 de setembro de 2008

ACADEMIA Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro. A Academia, 1998

BECHARA, Evanildo. Gramática Escolar da Língua Portuguesa1. 1. edição. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004

HENRIQUES, Cláudio Cezar. A nova ortografia. 1. edição. Rio de Janeiro: Campus-Elsevier, 2008

HOUAISS, Antônio. A nova ortografia da Língua Portuguesa. São Paulo: Ática, 1991

------------- Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Cadáver Insepulto

(Marcel Duchamp)

Rodrigo C. Vargas

"Agir é descrer. Pensar é errar. Só sentir é crença e verdade. Nada existe fora das nossas sensações. Por isso agir é trair o nosso pensamento. " (Fernando Pessoa)

A rotina obriga a pensar sobre muito. A densidade dessa ação depende apenas da profundidade do ser pensador frente ao abismo da repetição. É angustiante saber que boa parte do que escapa as mãos jamais será tocada. Os restos, é preferível apostar toda vontade de potência.

É muito difícil lutar contra o velho-novo (aquilo que já aconteceu e ainda assim provoca surpresa), pois sua natureza é local, íntima. O que deve levar ao confronto é a necessidade de manter o sentido exemplar das coisas, nas coisas justas que orientam e foi passado de geração em geração, contrariando a contemporaneidade onde tradição significa atraso.

Tradição não é algo parado no tempo, impedido de metamorfar-se. Nem sempre é algo mantido por convenção constituído pelo poder. Esse tipo é multiplicado pela manutenção de uma identidade baseada no continuísmo, como na pratica do preenchimento de vagas sob a orientação da lógica hereditária, ausente de critica ou critério.

"Em certos os casos. Quanto mais nobre o gênio, menos nobre o destino. Um pequeno gênio ganha fama, um grande gênio ganha descrédito, um gênio ainda maior ganha desespero; um deus ganha crucificação. A maldição do gênio não é, como pensava Vigny, ser adorado mas não amado; é não ser amado nem adorado. Wilde nunca foi tão confirmadamente um gênio como quando o homem na plataforma da estação ferroviária cuspiu no seu rosto, ao ser ele agrilhoado. Um grande dano tem sido causado a muitos gênios: não lhes cuspiram na cara." (Fernando Pessoa - O destino do gênio)

O novo não tem etiqueta nem cor. Não tem rosto nem sobrenome. Não tem letra nem número. Não é imagem nem som. Sua localização está no ato de encarar o eterno retorno do mesmo para mudar suas bases, e fazer dele um mesmo diferente. Perceber isso, é entender que o familiar nem sempre é o conhecido. É agir sempre que invocado por menor que o motivador dessa agonia aparenta ser, pois esse dimensionamento raso certamente irá condensar-se em algo desproporcional aos conhecimentos reunidos até então; fazendo do agir um garfo para a sopa. A saída é não medir. Pois o tempo para a maioria parece ter encurtado e o relógio deixou de ser necessário no pulso. É o tempo plasmado no presente causando a incompreensão das coisas, a falta de sentido.

A reorganização desse sentido passa unicamente pelo agir. O mundo é uma escada sem degraus e tudo o que existe sobre seu campo, as relações sociais, a formação intelactual, os fatos e não fatos, o caos e a morte são condições obvias dessa fundação, capaz de ser deformada na ação legítima do confronto.

Aí está o motivo para continuar. Mesmo entendendo que no máximo dez agirão. Eu acredito na utopia. A cada três passos em sua direção, a utopia afasta-se outros três. Saí do lugar.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Fractais tropicalistas:

Amador Ribeiro Neto
Professor de teoria da poesia e literatura comparada na UFPB, mestre pela USP e doutor pela PUC-SP.

O Tropicalismo bebeu fartamente nas águas do saber oswaldiano. Juntou Carmen Miranda com Miles Davis; Chacrinha com Chaplin; samba de roda com atonalismo, Eisenstein com Vera Cruz, Mondrian com Di Cavalcanti, Vicente Celestino com Stravinsky. O resultado todos conhecemos: um forte movimento artístico-musical que hoje, por exemplo, deita suas raízes sobre os nomes mais interessantes da MPB, das artes plásticas, do teatro, do cinema e da moda.

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Caetano Veloso ao longo de sua obra tem revelado interesse pelas formas e pelos temas mais contundentes de nossa cultura. Dos aspectos políticos aos sexuais, dos ecológicos aos sentimentais, dos étnicos aos femininos e feministas, dos homossexuais aos da terceira idade, dos da infância aos das doenças estigmatizadas socialmente, etc. – (quase) nada escapa ao seu olho de lince.

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Desde o Tropicalismo (o movimento cultural mais importante deste país depois da Semana de 22 e do advento da Poesia Concreta, em 56) Caetano desenvolve um trabalho calcado na deglutição do "que não é meu" para se chegar a um produto singular, intensamente próprio. Para ele, novas linguagens nascem da mescla geral e irrestrita agitadas no big caldeirão multicultural. Não é a troco de nada que há 40 anos ele declarou que “o Tropicalismo é um neo-antropofagismo".

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Alguns intra-estilhaços da grande explosão que nos foi, e que continua sendo, o Tropicalismo: Viva São João, viva a Refazenda / Viva São João, viva Dominguinhos / Viva São João, Viva Qualquer Coisa/ Viva São João, Gal Canta Caymmi / Viva São João, Pássaro Proibido.

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O cedê Melopéia, de Glauco Mattoso, com generosas 23 faixas, tem capa assinada pelo quadrinista (hoje festejado romancista e ator) Lourenço Mutarelli. No clima dos poemas e músicas ele faz uma releitura antropofágica valendo-se da capa do Panis et Circensis, disco-manifesto dos nossos tropicalistas. Belo trabalho.

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A faixa que abre Melopéia intitula-se (muito apropriadamente) Tropicalista - composta e interpretada por Tato Ficher. Vem depois de uma inesperada introdução barroca feita num cravo e seguida por um “viva!” de samba-enredo exaltando o nome de Glauco Mattoso. Entra um samba de letra intertextual e auto-irreverente: vale-se da metalinguagem para destacar a importância das letras das canções. Não há como não rir e vibrar com este humor poético e mordaz, muito bem sacado por Tato Ficher, que cita a bossa nova (Upa Neguinho) e o Tropicalismo (Tropicália) numa carnavalização sobre carnavalização. O Tropicalismo tem em Tropicália 2, e agora em Melopéia, sua mais pertinente, criativa e renovadora homenagem. Anos-luz distante de uma bobagem chamada Tropicália 30 Anos (Natasha Discos).

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Cazuza jamais teve preconceitos musicais. Sempre se debateu contra parâmetros sociais estabelecidos. Duas características que ele herdou do Tropicalismo. Caetano e Gil, pós-tropicalistas, continuaram referências de sua produção. Chegou a ser parceiro de Gil. Gravou Caetano.

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No caldeirão de referências, citações, literatura, música, paródias, performances, só caberia mesmo a maior das antropofagias de Adriana Calcanhoto: comer o tropicalista-mor, nosso mais irreverente, criativo e inquieto compositor: Caetano Veloso. Aos sons conhecidos da canção juntam-se as vozes admiradas & admiradoras do público, que delira num misto de polivozes polissônicas, polifônicas & polissêmicas.

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Um compositor-intérprete com esta verve paga tributo ao Tropicalismo. Se Caetano uniu Carmen Miranda e Vicente Celestino, Chico César une Inesita Barroso e Torquato Neto. Não nega nem esconde o subdesenvolvimento. Também ele, como seu Mestre, nega-se a folclorizar seu subdesenvolvimento em nome de uma falsa crença: o popular é pobre.

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O resultado é uma obra que se desdobra a cada leitura. O disco Domingo indicia, nas sutilezas de sua bossa, recursos composicionais que o disco seguinte leva ao extremo. A virada é tão significativa, que críticos mais afoitos insistem em ver na Tropicália um movimento que se opõe, por exemplo, à Bossa Nova. E quando em Verdade Tropical Caetano observa que há uma ligação estreita entre os dois movimentos, o que a crítica tende a fazer é somar esta afirmação a mais uma provocação gratuita de Caetano.

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Tropicália celebra a grande felicidade do ser criador - quer seja, do artista. Tudo é festa e carnaval na reverberação melódica e rítmica da última sílaba das duas últimas palavras de cada mo(vi)mento da canção. Bossa e palhoça / mata e mulata / Maria e Bahia/ Iracema e Ipanema / banda e Miranda são parelhas rímicas que explodem qualquer construção ordenada de imagens ou qualquer processo de associação sociológico. Ao redor de tais parelhas gravitam significantes variados que se dispersam pelo corpo da canção contaminando e sendo contaminados por outros vocábulos. É como se o processo gerador se descentralizasse nestas rimas repetidas e imantasse o restante da letra da canção.

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Tropicália, é a explosão dos ícones verbo-musicais numa roleta russa de significantes que disparam-se de tempo em tempo desenredando a canção aos ouvidos e mentes que a aceitam enquanto êmulo propulsor do ato de criar. As imagens imprevisíveis que gera, impressionam e prendem "hipnoticamente” o ouvinte numa profusão de significantes e significados realimentados a cada leitura/audição. Este bloqueio à formação da imagem (ou de uma imagem) é um procedimento fortemente usado pelos barrocos via elipses, perífrases, paródias, anáforas, proliferações, condensações, substituições, etc.

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O Tropicalismo nasceu em 1967 e foi enterrado em pouco mais de um ano, por seus principais idealizadores, Caetano Veloso e Gilberto Gil.

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Onde anda hoje a onda de som de inovação estético-criativa do Tropicalismo? Na grande trindade tropicalista: Tom Zé, Jorge Mautner e Rita Lee, signos mutantes que não deixam jamais de experimentar outros sons e sentidos. Em Carlinhos Brown, músico de primeira que o Brasil precisa aprender a ouvir. Em Arnaldo Antunes, megartista de zil mídias. E mais: Zeca Baleiro, Nação Zumbi, Mundo Livre S/A, Cássia Eller, Los Hermanos, Itamar Assumpção, Ney Matogrosso, Marisa Monte, Escurinho, Péricles Cavalcanti, Madan, Arrigo Barnabé, Otto, Zélia Duncan, Moreno +2, Eliete Negreiros, Daúde, Cida Moreira, Marcelo D2, Maria Alcina, Vânia Bastos, Seu Jorge, Cabruêra, entre outros.

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Viva o Tropicalismo e o “up-grade” que ele produziu nas artes do Brasil: 1967-2009.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Todos eles estão errados

(Leonardo Da Vinci)

Felipe Fortuna
felipefortuna@felipefortuna.com
Mestre em Literatura Brasileira (PUC/RJ), poeta e ensaísta

Para muitos artistas, a ciência e a tecnologia têm a capacidade de destruir ideais, símbolos e metáforas. Confrontando-se às inovações e às descobertas tecnocientíficas, a poesia manifesta uma crítica à perda da beleza e da inocência, o que já possui até mesmo a sua tradição: recordem-se, por exemplo, as objeções do romântico John Keats às teses de Isaac Newton sobre a decomposição da luz:

Não fogem todos os charmes
Ao mero toque da fria filosofia?
Havia um deslumbrante arcoíris no céu.
Agora sabemos seu limite, sua textura, pois o inseriram
No aborrecido catálogo das coisas comuns.

Perda – eis a palavra que vem à mente de tantos artistas quando diante dos avanços e do progresso. Mas o sentimento de aversão aos resultados das técnicas e da ciência pode, em alguns casos, ter caráter contraditório, como se o artista estivesse a defrontar uma nova beleza e uma nova inocência.
Em 1966, na canção “Lunik 9”, Gilberto Gil conclamava os seus ouvintes:

Poetas, seresteiros, namorados, correi!
É chegada a hora de escrever e cantar
Talvez as derradeiras noites de luar.


Já no título da canção, Gilberto Gil se refere a um módulo do programa espacial soviético, o primeiro a alcançar a superfície da Lua e a transmitir dados fotográficos para a Terra. Não é cabível, porém, que a chegada daquele artefato à Lua esteja relacionada às “derradeiras noites de luar”, como quer o compositor. Porém, essa idéia é ainda reforçada ao final da canção, quando se ouve:

Talvez não tenha mais luar
Pra clarear minha canção.
O que será do verso sem luar?

Para o compositor, essa é a razão da tristeza – “uma tristeza só” que lhe restou. Mas, como já se percebeu, a conquista da Lua traz consigo novas amplitudes e dimensões, até então impensáveis mesmo para os que lidam com ideais, símbolos e metáforas: afinal, o que seria a Lua, a partir de então? O seu conhecimento técnico e científico poderia provocar novas imagens, ou apenas destruir as existentes? Foi provavelmente por isso que Gilberto Gil, todo ambíguo, escreveu na mesma canção:

A lua foi alcançada afinal.
Muito bem,
Confesso que estou contente também.

Assim se resume o impasse: perda ou ganho? Embora sem a dimensão sarcástica, a canção “Lunik 9” contém elementos da marchinha “A Lua é dos Namorados”, composta por Armando Cavalcanti, Klecius Caldas e Brasinha, e lançada em 1961:

Todos eles estão errados
A lua é dos namorados.
Lua, oh lua
Querem te roubar a paz.
Lua, oh lua
Não deixa ninguém te pisar.

Obviamente, a crítica à conquista da Lua se concentra, no caso da marchinha, bem menos nas questões de ciência e tecnologia e muito mais nas questões de política: estava em jogo, no ambiente bipolar, a disputa entre os EUA e a então URSS pela presença do primeiro homem no satélite (“um pequeno passo para o Homem, um grande salto para a Humanidade”, nas palavras do astronauta Neil Armstrong, em 1969). Qualquer que fosse o resultado do confronto entre as duas potências, estaria perdido o ideal de um satélite sem dono e destinado à pura contemplação, de onde se fortalece o duplo sentido do verso “não deixa ninguém te pisar”.

As seguidas missões espaciais não apenas à Lua, mas a outros satélites, planetas e constelações dificilmente impediram os artistas de produzirem ideais, símbolos e metáforas. A grande maioria desses artistas já havia até mesmo testemunhado a conjunção potente e infernal de política e ciência que caíra sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945, que mereceu de Vinicius de Moraes a classificação de “a rosa radioativa, estúpida, inválida”. Conclusão: ao longo do século XX, foi conquistado o espaço, foi confirmada a possibilidade de fixar vida humana no cosmos e foi atingido o grau máximo de destruição no planeta, por meio da explosão nuclear.

Como já parecia anunciado em antiutopias como Admirável Mundo Novo (1932), de Aldous Huxley, e 1984 (1949), de George Orwell, a exploração do espaço se deu com a mesma intensidade da exploração das sociedades terrenas. Câmeras, sensores, o advento do GPS e da telefonia móvel tornaram fútil qualquer pretensão à privacidade. Debate-se agora quais seriam os limites à videovigilância, bem como a quem entregar a responsabilidade sobre as imagens e os dados das pessoas. Em 1997, no Reino Unido, ocorreu o primeiro protesto coletivo, com cerca de 200 pessoas. contra a rede de vigilância montada por meio de câmeras; passados dez anos, existiam 4 milhões e 200 mil câmeras no país, o que equivale a uma câmera para cada 14 pessoas. O lançamento recente do Google Street View radicalizou essa tendência invasiva: em vez de vasculhar o espaço sideral, bisbilhotar o espaço privado. De novo, houve protestos de quem se sentiu incomodado com os flagrantes em espaços públicos.

A poesia, uma vez mais, se viu atacada. Num artigo publicado este mês no jornal Libération sobre o Google Street View, mencionou-se que “de renúncia em renúncia, o tempo dos poetas estará morto, o instante furtivo dos bancos públicos” desaparecerá.

Será mesmo assim? A percepção fatalista dos avanços técnicos e científicos omite que a poesia se nutre, em boa parte, das relações que as sociedades estabelecem ao longo do tempo. Os poetas futuristas cantaram o progresso em altos brados, para perplexidade dos modernistas, que sempre foram céticos, descrentes e até negativistas. Mas a máquina de escrever, o cinema, a penicilina, a luz neon estão presentes em muitos poemas. Leia-se, por exemplo, “De Um Avião”, de João Cabral e Melo Neto:

A paisagem, ainda a mesma,
parece agora noutra língua.


Ou então “Viagem do Último Trem Subindo ao Céu”, no qual Joaquim Cardozo tematiza a Teoria da Relatividade. Ou Augusto de Campos a utilizar as novas opções da informática para compor poemas. Cientistas e poetas – todos eles estão errados quando não encontram a linguagem comum e humana das suas melhores invenções.