quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

28 anos sem ele

Rodrigo C. Vargas

No Brasil se chamaria João, tantos quanto na Inglaterra. Filho de Julia Stanley e Alfred Lennon - mensageiro de um hotel descendente de galeses e filho de um irlandês - John Winston (homenagem à família real inglesa) Lennon era um verdadeiro celta. Nasceu em 09 de outubro de 1940 no Hospital Maternidade de Liverpool. Seu primeiro endereço foi Penny Lane, subúrbio da cidade, na rua Newcastle número 9. Seus pais se casaram no cartório de registro de Mount Pleasent no dia 03 de dezembro de 1938 sem a presença de um único membro da família. Alfred sumiu logo após o nascimento do filho durante uma viagem a trabalho nos Estados Unidos (emprego em um navio comercial arranjado pelo avô de John, Pop - ex-marujo que ao se aposentar enfrentou a dificuldade de se adaptar a vida familiar, e caseira - para mantê-lo longe da filha) e quando voltou, anos depois, tentou raptá-lo mas foi descoberto a tempo. Essa foi a última vez que se viram. Meses antes, Julia sem esperança de receber qualquer notícia acabou se apaixonando e dividindo um quarto alugado com outro homem (pai de duas, das três meia-irmãs de John). Esse foi o motivo pelo qual, aos quatro anos e meio, o pequeno Lennon foi obrigado a morar com a irmã mais velha de sua mãe, Tia Mimi e seu marido George em Vale Road na Avenida Menlove número 251 . Ela (Mimi) e Pop não aceitavam o que segundo eles era uma vida promiscua.

Em setembro de 1952, com quase 12 anos, John começou a estudar em Quarry Bank, escola preparatória para meninos. Foi nessa época que descobriu a musica graças às visitas as escondidas que fazia a mãe, fã de Elvis Presley, e com quem aprendeu a tocar. Foi uma espécie de afirmação no meio de tantos nãos que rodeavam aquele garoto. No início de 1956, aos 15 anos, montou a primeira banda: Os Black Jacks. Esse nome sobreviveu poucos dias. Logo passaram a se chamar Quarry Men. A primeira apresentação aconteceu no Lee Park Golf Club em Childwall nos arredores de Liverpool. Era como se estivesse sonhando, só que acabou sendo saculejado de forma brutal pela notícia da morte de sua mãe atropelada por um automóvel em alta velocidade no cruzamento da Vale Road com Menlove Avenue, cerca de quinhentos metros de sua casa. Judy, como era chamada por todos, estava indo visitar o filho. Meses antes Paul McCartney tinha passado pela mesma dor. Aquela terrível coincidência uniu os dois e os transformou na maior dupla de compositores e executores que o rock já viu.

Os Beatles mudaram o mundo mas aquele menino franzino de olhos firmes continuava lá. Suas dores e dúvidas acabaram sendo acalentadas por uma relação matriarcal com Yoko Ono. A segurança além da musica fez os Beatles perderem o sentido. Sua carreira solo foi marcada pela força do grito primal e pela sensibilidade de give peace a chance que em português quer dizer dê a paz uma chance, cantada por meio milhão de manifestantes em novembro de 1969, na marcha pela paz no Washington Monument; liderada por Pete Seeger. Alguns anos depois, todas aquelas vozes foram silenciadas pelas mãos de um fã assassino. No dia 08 de dezembro de 1980, em frente ao apartamento de John em Nova York, Mark David Chapman descarregou a arma enquanto o pacifista estava de costas. O homem que atirou tinha recebido um autógrafo horas antes. Caleidoscópio.

Boa parte do que John Lennon escreveu está lá atrás, na sua infância. Penny Lane era a rua onde morava o avô. Strawberry Fields seu esconderijo favorito. Mother o vazio deixado pela ausência materna e a tentativa de expulsá-lo do corpo. God, a negação de suas sombras. A música de John é atual e será daqui milhares de anos, por que John sempre foi João e mesmo quando falava de si, olhando para dentro, falava do mundo.

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