quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Um Jesus diferente daquele dos evangelhos

(Caravaggio)

José Correia da Silva
professorjosecorreia@yahoo.com.br
Graduado em Matemática pela UECE
Graduado em Física com HRE pela UEVA
Graduado em Teologia pelo Centro de Teologia Avançado de São Paulo

Os evangelhos apócrifos, inautênticos - textos que foram tolhidos pela Igreja e que desapareceram por mais de um milênio - alegam um Jesus dessemelhante daquele que apreciamos. “Quem não conheceu a si mesmo não conhece nada, mas quem se conheceu veio a conhecer simultaneamente a profundidade de todas as coisas”. Esta frase acima é conferira a Jesus Cristo. Mas não adianta procurá-la na Bíblia. Ela não está em qualquer lugar dos Evangelhos de Lucas, Marcos, Mateus ou João, os únicos relatos da vida de Jesus que a Igreja considera autênticos. A alusão faz parte de um outro evangelho – o de Tomé. Também não perca seu tempo procurando por esse livro no Novo Testamento. Entretanto o texto existe. E é um documento anoso – segundo alguns pesquisadores, tão antigo quanto os que estão na Bíblia.

O Evangelho de Tomé, assim como outras dezenas – ou centenas – de textos semelhantes, foi escrito por alguns dos primeiros cristãos, entre os séculos 1 e 3 da nossa era. Ele foi cultuado por muito tempo. Até que, em 325, sob o comando do imperador romano Constantino, a Igreja se reuniu na cidade de Nicéia, na atual Turquia, e definiu que, entre os inúmeros relatos sobre a vinda de Cristo que existiam, só quatro eram "inspirados" pelo filho de Deus – os "evangelhos canônicos" ("evangelho" vem da palavra grega que significa "boa nova", usada para designar a notícia da chegada de Cristo, e "canônico" é aquele que entrou para o cânone, a lista dos textos escolhidos). Os outros eram "apócrifos" (de legitimidade duvidosa). Estes foram proibidos, seus seguidores passaram a ser considerados hereges e muitos foram excomungados, perseguidos, presos. A maioria dos apócrifos acabou destruída e os textos sumiram, alguns para sempre.

Mas nem todos. O Evangelho de Tomé, o de Filipe e o de Maria Madalena, por exemplo, escaparam por pouco do extermínio – graças a um egípcio inominado. Em algum momento do século 4, esse egípcio teve a apropriada idéia de esconder num jarro de barro cópias manuscritas na língua copta desses textos e de muitos outros ameaçados pela perseguição da Igreja. O jarro ficou 1 600 anos sob a areia do deserto. Acabou resgatado por um grupo de beduínos, em 1945, perto da cidade egípcia de Nag Hammadi. Só nos últimos anos os textos acabaram de ser traduzidos e chegaram ao conhecimento dos cristãos do mundo.

Um dos critérios para explicar por que só os evangelhos de Marcos, Lucas, Mateus e João entraram na Bíblia é a datação. Um consenso entre os especialistas situa os canônicos como tendo sido escritos entre 60 e 90. Já os apócrifos teriam sido produzidos a partir do século 2. Mas também sobre essa questão pairam dúvidas. Está lá no Evangelho de João. Cristo disse: "Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram". Alguns pesquisadores, como a americana Elaine Pagels, da Universidade Princeton, nos Estados Unidos, acham que o autor do texto, quando o escreveu, estava contrapondo ao Evangelho de Tomé. Se a questão dela está correta, o Evangelho de Tomé é mais remoto que o de João.

Segundo essa conjetura, o Evangelho de João seria um empenho para negar que a salvação pudesse ser atingida pela busca particular do autoconhecimento, tese central de Tomé. O Evangelho de João coloca então Tomé no papel do cético exagerado que é repreendido por Cristo. E conclui assinalando um caminho mais simples para a salvação: basta acreditar nela.

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