quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O movimento MADI


José Guedes
arteguedes@uol.com.br
Artista Plástico
Diretor do Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura

O Movimento Madi consiste na primeira contribuição coerente e influente da América Latina para a história da arte universal. Seu nome não tem uma origem definida, no que se assemelha ao Dadá, mas pode ser “Materialismo Dialético, Marxismo Dialético, Movimento, abstração, dimensão, invenção, ou simplesmente letras tiradas do nome de Carmelo Arden Quin.

Este período seminal, começou com a publicação da revista Arturo, criada pelo uruguaio Carmelo Arden Quin, na Buenos Aires de 1944, com declarado compromisso com uma arte “desprovida de intenções representativas, livre de qualquer determinismo ou justificação”. A revista não passou de primeiro número , mas já reunia, além de Arden Quin, outros artistas e poetas que logo criariam aquele movimento, tais como, Rhod Rothfuss, Gyula Kosice e Edgard Bayley. Também estava presente, nesta edição, Joaquim Torres-Garcia, que, morando em Montevidéu, era fonte de inspiração e grande incentivador de jovens artistas argentinos e uruguaios. Em seu ateliê, esses artistas tinham informações, sobre as vanguardas européias , ao mesmo tempo em que lhes era cobrado o desenvolvimento de uma linguagem própria. Em seu texto para a Arturo, Torres-Garcia disse: “Atualmente estamos muito menos interessados na coisa, do que na estrutura onde ela onde ela se situa.”. E mais adiante: “Já não são mais as coisas, mas o ritmo em que no momento elas se encontram, que constitui a essência da construção poética”.

Rhod Rothfuss escreveu para a Arturo um artigo intitulado: “A moldura, um problema da arte contemporânea”. Antes, em 1942, ele havia feito uma exposição com quadros de formas irregulares, batizados por Arden Quin de “cubisme decoupé”(cubismo recortado), e esse questionamento esteve nos termos da anunciação da terceira exposição do grupo Madi, em novembro de 1946, que dizia: “ Madi inventou a moldura irregular e ornada, quebrando para sempre o tabu da moldura pictórica: ele inventou a pintura e a escultura em movimento, articulou o universal e o linear, criou a arte plástica plural e lúdica”. Na primeira exposição, em agosto do mesmo ano, Carmelo Arden Quin lançou o manifesto cujas premissas essenciais no campo da pintura foram, primeiro, a quebra da janela renascentista, seja quadrada ou retangular. Segundo a sistematização de formas poligonais com cortes irregulares. Uma outra proposta adicional era a produção de estruturas articuladas e móveis, que podiam ser aplicadas à pintura, à escultura ou à arquitetura.

Os artistas do Movimento Madi se utilizaram, com total liberdade, dos movimentos de vanguarda europeus como o dadaísmo, o construtivismo russo, o neo-plasticismo, entre outros, como ponto de partida para suas invenções. Arden Quin criou uma série chamada “Cosmópolis”, em que elementos da escultura eram incorporados à pintura. Produziu também uma série de construções articuladas que, na parede, permitiam a interferência do espectador, que criava novas relações formais; e que deflagraram, a partir da introdução do movimento na obra de arte, uma série de variáveis inaugurais.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Ameaças internas ao programa brasileiro de biodiesel

Expedito Parente
expedito@tecbio.com.br
Engenheiro Químico, Inventor do Biodiesel

Podendo ser produzido de qualquer óleo vegetal, de gorduras de animais e até mesmo de óleos residuais, em grandes e em pequenas unidades industriais, o biodiesel tem sido considerado um combustível plural, não somente pela diversidade de matérias primas, como pela multiplicidade de usos. Muito mais que o álcool que só é utilizado no singular, em veículos pequenos, o biodiesel é coletivo, pois é apropriado para usos em ônibus, trens, navios, caminhões, tratores, máquinas agrícolas e até mesmo na geração de eletricidade através de grandes motores.

Considerando as suas externalidades e transversalidades, o biodiesel não pode ser considerado um simples sucedâneo do óleo diesel – é muito mais que isso... Se assim não fosse seria por demais inoportuno a sua produção, pois somos autosuficientes em petróleo, o mais barato mundo. Soma-se a isso, o fato de que o óleo diesel sempre teve preços privilegiados no Brasil.

O biodiesel carrega em si três missões: a missão ambiental, a missão social e a missão estratégica.

• A missão ambiental diz respeito não somente uma importante contribuição para o controle do aquecimento global do Planeta, o alarmante efeito estufa, mas também para a diminuição dos índices de poluições localizadas, em especial nos grandes centros urbanos. A propósito a fuligem tem sido apontada como a principal causa dos surtos de tuberculose nas grandes cidades que tem matado mais que a própria AIDS. É bem sabido que o biodiesel quando misturado ao óleo diesel faz diminuir as emissões de fuligem chegando a anular quando usado na proporção de 25%. Esta é a razão da União Européia tenha aprovada a meta para uso da mistura biodiesel-petrodiesel na concentração de 25%, isto é, usar o B-25.

• A missão social diz respeito à extraordinária capacidade que o biodiesel possui de gerar ocupação e renda no campo, especialmente quando a matéria prima pode ser produzida mediante a agricultura familiar ou através de palmáceas (babaçu, dendê, coco da baia, etc.) em que as coletas têm que ser realizadas manualmente, mesmo que auxiliada por instrumentos. A dimensão do mercado energético atribui ao biodiesel a capacidade de eliminar a miséria no campo, que no mundo assola a 500 milhões de indivíduos, dos quais 8% (40 milhões) vivem no campo, nas regiões norte e nordeste.

• A missão estratégica refere-se além da preparação e facilitação para a saída da Era do Petróleo, mas também o uso das transversalidades atribuídas ao biodiesel e sua cadeia produtiva, quais sejam, as relações com outros setores produtivos, inclusive como indutor da produção de alimentos. Pois bem... O biodiesel passa atualmente por graves ameaças: algumas delas internamente, e outras externas, provenientes de outros países. As ameaças externas advêm como reflexo da atual crise mundial no mercado de alimentos, que, injustamente, mesmo em parte, tem sido atribuída ao acelerado crescimento da produção mundial do bioetanol, com respingos no biodiesel. Esta é uma questão que pela sua complexidade deveremos discutir, em separado, em outra oportunidade. Interessa-nos agora apresentar e comentar as ameaças internas, isto é, aquelas no âmbito brasileiro.

• O primeiro grupo de ameaças advém das impropriedades dos atuais marcos regulatórios do Programa Brasileiro de Biodiesel que apesar das boas intenções do Governo Federal carecem de aperfeiçoamentos. A legislação que se apresenta em forma de leis, portarias e resoluções foram elaboradas sem uma visão objetiva das especificidades brasileiras, carecendo de uma reformulação. De fato, o Brasil é um país de dimensão continental e extraordinariamente heterogêneo não somente sob o ponto de vista edafo-climático, mas também sob os aspectos sócio-econômicos – produzir e consumir biodiesel Nordeste constitui algo inteiramente diferente de fazê-los no Sul e Centro-Sul, e mais ainda na Amazônia ou no Cerrado. As hierarquias das missões atribuídas ao biodiesel são distintas, conforme a região. Os modelos que devem levar em conta as motivações e vocações deverão ser necessariamente peculiares a cada Região.

• O segundo grupo de ameaças, que tem muito a ver com o primeiro grupo, referindo-se ao desequilíbrio dos diferentes elos das cadeias produtivas do biodiesel. Providências urgentes devem ser avaliadas não somente no aperfeiçoamento dos marcos regulatórios, mas também na implantação de uma série de atitudes no sentido de fortalecer a produção agrícola das matérias primas, as extrações adequadas dos óleos e as valorizações dos subprodutos (glicerina e resíduos da cadeia produtiva). Atividades de pesquisa e desenvolvimento se impõem ao fortalecimento da produção agrícola, das melhorias dos processos industriais e seus entornos.

• O terceiro grupo de ameaças resume-se na imprópria participação da Petrobrás no Programa. A empresa foi criada e cresceu, cresceu muito dentro de uma cultura monopolística, e agora tem sido conduzida para a prática do monopcionismo, inserindo-se como a única compradora oficial do biodiesel. Com os bilionários investimentos projetados e já iniciados em implantações de suas fábricas de biodiesel, a Petrobrás se coloca dos dois lados do balcão, inibindo de sobremaneira a iniciativa privada nacional, e até mesmo os investimentos estrangeiros que estavam começando a acontecer. Diga-se de passagem, os investimentos estrangeiros na cadeia produtiva do biodiesel são considerados por demais estratégicos, pois representam um passo importante para as exportações desse biocombustível. Uma espécie de ditadura empresarial é um verdadeiro veneno para que os negócios convencionais possam fluir democraticamente. A Petrobrás segundo as suas conveniências, ora age como uma estatal, ora como empresa privada. E, a impropriedade e impertinência não param aí, uma vez que o tamanho de uma Planta de Biodiesel, por maior que seja, representa menos de meio por cento de qualquer uma de suas Refinarias de Petróleo.

O biodiesel como negócio não combina com o estilo e a vocação dessa empresa. Com certeza, em algum momento, os seus acionistas vão protestar, quando a empresa deveria concentrar as suas atenções em aumentar a sua produção de petróleo, fazendo o Brasil ingressar, o mais rápido possível, no clube dos exportadores, participando como fornecedor de ouro negro a preços superiores a US$ 130 por barril. Ademais, existem muitas outras maneiras de apoiar e fortalecer o Programa Brasileiro de Biodiesel. De outra forma depreende-se que impropriedade e incompetência juntas, podem se vistas como indícios, até mesmo, de uma orquestração para retardar o sucesso do biodiesel, e até mesmo a sua viabilidade no Brasil. Enfim... Interesses contrariados!

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Um clarão nas trevas

Daniel Lins
dlins2007@yahoo.com.br
Sociólogo, filósofo e psicanalista, com doutorado em Sociologia - Université de Paris VII - Université Denis Diderot (1990) e pós-doutor em Filosofia pela Université de Paris VIII (2003).

Bela, frágil e pertubadora, Audrey Hepburn eclode a tela. Terence Young transporta o espectador para o universo dos cegos: um mundo em que o ouvido e o olfato são primordiais; em que os códigos mudam e no qual o rangido de sapatos toma de repente um novo sentido... Em “Um clarão nas trevas”, cada barulho tem um sentido. É talvez por isso que o espectador se surpreenda mais em ouvir do que em olhar o filme.

É o devir-cego do próprio espectador. O devir-cego como força positiva. Ouvir, ao invés de ver, não seria uma sabedoria em tempo de tantas luzes ancoradas em um star system cuja virtude maior é não fazer arte? Não se pode ver esse filme com os olhos, mas com o tato, o ouvido, o faro canino. Os olhos aqui nada podem, pois, parecem colonizados por uma visão chapada pela inércia de representação, significados e significantes que funcionam como palavras de ordem. Vê-se o que “deve” ser visto: a visão na contemporaneidade é engolfada pelo comentário descartável do homo otarius.

Ofegante, esbaforido, trata-se de um filme no qual o suspense é preservado até o fim e os personagens confrontados com seus próprios medos infantis. Como os últimos 20 minutos acontecem em parte no escuro, na saída do filme, alguns cinemas apagam todas as luzes, inclusive as lamparinas, para que o espectador entre no clima. A emoção atinge seu ápice!

“Um Clarão Nas Trevas”. Direção: Terence Young, com Audrey Hepburn, Alan Arkin, Richard Crenna. Uma boneca recheada de heroína é a razão desta trama.

Anexo: Trailer de Um Clarão nas trevas (Wait until dark) de 1967.




Circuit break canarinho

Rodrigo C. Vargas

Domingo, dia 12 de outubro. A seleção brasileira venceu fora de casa, no Estádio Pueblo Nuevo em San Cristóbal, a seleção da Venezuela por 4 a 0. Na terça-feira, em plena crise mundial, a Bovespa seguiu o mercado internacional e teve uma alta histórica de 14,66%, a maior desde janeiro de 1999. No dia seguinte, A Bolsa de Valores de São Paulo registrou a pior queda em dez anos, 11,39%. No jogo seguinte, a seleção brasileira empatou em pleno Maracanã em 0 a 0 com a Colômbia, mantendo a marca de não vencer dois jogos seguidos numa eliminatória para a Copa do Mundo, há cinco anos.

O que uma coisa tem haver com a outra? Eu explico! O mercado mundial entrou em recessão porque há muito tempo trabalha com operações fantasiosas. Essa prática especulativa caiu nos campos de futebol como a jogada mais interessante desde o seu surgimento. O faturamento bruto anual da CBF é de aproximadamente 46 milhões de euros, da equipe espanhola do Real Madrid é quase 300 milhões, e Ronaldinho Gaúcho, segundo levantamento da revista americana Forbes, faturou cerca de 27 milhões de euros somente em 2007. Essa gangorra monetária futebolística tem a mesma raiz: lucro a qualquer custo.

Não há virtude alguma em operar nesses dois campos. Ganha mais aquele que consegue ser mais esperto, e para que isso aconteça alguém tem que sair perdendo. Nos dois casos as classes mais baixas são as mais afetadas. No mercado com a falta de crédito, juros altos, inflação e falta de emprego. No futebol com a perda da identidade nacional (fomentada nos anos de chumbo) e na decepção com o esporte, último refúgio de prazer. Bancos e instituições financeiras americanas, européias e asiáticas faliram, não agüentaram a pressão. Quem reconhece o craque em atividade? O Fenômeno? O Imperador? Superlativos de carne e osso.

Me faz lembrar uma história contada por um amigo. Numa cidade do interior um senhor tinha um cavalo muito rápido, forte, orgulho daquele homem. Um dia, um espírito de porco resolveu apostar uma corrida breve, de três quilômetros, entre o tal cavalo e sua moto. O velho aceitou. A cidadezinha parou todos queriam saber quem seria o vencedor; o animal, ou a maquina. Largaram! A corrida foi disputada até o último metro. O cavalo, superior, passou a linha de chegada em primeiro. Trotou e caiu morto. O veterinário veio, examinou e disse meio sem graça que aquele animal era mesmo especial. O velho atordoado perguntou por que ele tava dizendo aquilo se o bixo estava morto. O veterinário então encarou os olhos trêmulos daquele senhor e disse que o cavalo tinha morrido há uns mil metros e que tinha chegado só no embalo. O que quero dizer é que a maioria de nós está no embalo do cavalo morto. A queda desses mitos representa o fim de um modelo baseado na exploração das massas, da fé, da miséria e da ignorância. Próximo!

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Sobre a cultura japonesa

Laura Tey Iwakami
lauratey@uol.com.br
Pesquisadora da Origem e Cultura Japonesa
Doutora em Comunicação e Semiótica PUC-SP

Em um livro intitulado “Império dos Signos” (1970), Roland Barthes faz uma leitura sígnica sobre o Japão e sua cultura, quando da visita dele àquele país. De fato, se deixarmos um pouco de lado a “visão racional” ocidental e adentrarmos no mundo dos sentidos, talvez possamos compreender melhor a Cultura Japonesa. Uma das características singulares da cultura japonesa é a “sensibilidade” e a percepção do externo pelo sujeito. O aspecto holístico no tratamento com a natureza e o homem, compreendidos no espaço físico, social e histórico, é um ponto marcante nas manifestações culturais e artísticas dos japoneses.

Assim, procuram perceber e sentir o ambiente em que vivem, os outros com quem convivem, respeitar o espaço coletivo que é deles também. Na expressão do pensamento e dos sentimentos, buscando um sentido próprio e particular no modo de se comunicar, as manifestações artísticas representam bem essas particularidades.

A “sociedade” para os japoneses é uma comunidade em que há estreitas relações inter-humanas e, por isso, o “outro” passa a ser considerado como aquele que convive no mesmo mundo e espaço naturais, num relacionamento presente, harmônico e complementar. É essa consciência da relação com o “outro” complementar e com o mundo físico e natural que leva o japonês a conceber uma visão artística integrada na natureza. O “eu” não é o sujeito isolado, importando mais o “estar” do que o “ser” no mundo, tão essencial ao ocidental. Percebamos, então, a presença do Jardim Japonês, contemplando a sua natureza, o frescor da culinária japonesa presentificado nas cores, no sabor, na ornamentação dos pratos, a delicadeza e a leveza dos arranjos florais que metaforizam o céu, a terra e o homem, a imagem da poesia Haikai que conduz o leitor a uma percepção singular de um momento na natureza, a visualidade da escrita japonesa na harmonia e no movimento dos traçados, a riqueza simbólica do teatro Nô e Kabuki. E também na língua do cotidiano, na arquitetura das casas, nos sons, na polidez dos gestos e das palavras, nas onomatopéias, há sempre um sentido a tornar-se presente, uma percepção aguçada do sujeito que pensa com o coração, um significado renovado e atualizado a cada transição temporal.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O que é terrorismo?

José Alves de Sousa
decaas@oi.com.br
Graduado em Letras pela UFC
Proficiência em Espanhol pela Universidad de Salamanca, Espanha
Pesquisador independente sobre América Latina

A palavra terrorismo tal como é utilizada pelas agências noticiosas transnacionais dos países imperialistas centrais, em primeiro lugar as norte-americanas, e repetida como papagaio pela mídia nacional, consequentemente pelo senso comum popular, refere-se, em geral, às ações de resistência armada dos palestinos contra o colonialismo sionista de Israel, mas também aos movimentos de libertação nacional no Iraque e Afeganistão, ocupados pela OTAN. Ao fazer uma consulta ao dicionário de Antonio Houaiss, temos:

Terrorismo
Substantivo masculino
1 modo de impor a vontade pelo uso sistemático do terror
2 emprego sistemático da violência para fins políticos, esp. a prática de atentados e destruições por grupos cujo objetivo é a desorganização da sociedade existente e a tomada do poder
3 regime de violência instituído por um governo
4 Derivação: por extensão de sentido (da acp. 1).
atitude de intolerância e de intimidação adotada pelos defensores de uma ideologia, sobretudo nos campos literário e artístico, em relação àqueles que não participam de suas convicções
Ex.: t. intelectual

Segundo o comunicólogo espanhol Vicente Romano, o termo terrorismo merece menção à parte. Hoje não existe meio de comunicação escrito, radial ou televisivo que não fale dele todos os dias. Nem político que não o mencione em todas as suas manifestações públicas. Trata-se de uma palavra onipresente no discurso político destes últimos anos, até o ponto de se transformar em objetivo da política, da ação militar e em obsessão pública. Hoje está indissoluvelmente unido às noções de “segurança”, “liberdade”, “fundamentalismo” e outras.

Na linguagem política essa palavra existe desde a época do “terror” da Revolução Francesa. Mas não entrou em moda até a segunda metade do século XX, com os atos de violência protagonizados pelos independentistas argelinos na França, pela Frente de Libertação da Palestina, pelo IRA, ETA, pelas Brigadas Vermelhas na Itália, pela RAF na Alemanha, etc. Embora também as organizações fascistas como a OAS francesa, o sionismo, a CIA e a contra-revolução exilada cubana em Miami realizaram e realizam ações terroristas.

O conceito de terrorismo se costuma associar com a violência de determinados grupos e organizações radicais de esquerda ou do fundamentalismo islâmico contra o Estado, ou melhor dito, contra um determinado tipo de Estado, contra o que se denomina de “Ocidente”, “sistema de vida ocidental”, etc, encarnado nos EUA, Inglaterra, Israel e seus amigos, para usar a linguagem habitual.

É nos EUA que se vem aplicando o termo durante os últimos 50 anos até chegar à atual “guerra ao terrorismo” decretada pelo atual bando de fundamentalistas que rege os destinos deste país e pretende reger os do resto do mundo.
Foi precisamente o ex-embaixador e agente da CIA em Bogotá, Luis Stamb, que cunhou os termos “narco-terrorismo” e “narco-guerrilha” para desqualificar a luta insurgente das guerrilhas comunistas das FARC-Exército do Povo contra o Estado colombiano. Esclareça-se que a CIA historicamente tem utilizado o narcotráfico para combater a ocupação soviética no Afeganistão, apoiar a contra-revolução nicaragüense através do esquema Irã-Contras, do coronel Oliver North e, ultimamente, para financiar a contra-revolução na Colômbia através dos esquadrões da morte conhecidos como paramilitares, financiados também por multinacionais e pecuaristas.

No entanto, não existe ainda uma definição clara de “terrorismo”, embora todo o mundo ache que sabe o que é. O Dicionário da Real Academia da Língua o define como “dominação pelo terror”. Para o Webster’s é o “uso sistemático do terror como meio de coerção, atmosfera de ameaça ou violência”. A definição aplicada na chamada “guerra mundial contra o terrorismo” é ambígua e tautológica: terrorismo é o que fazem os terroristas. Mas, quem são os terroristas? Os que cometem atos de terrorismo, dizem-nos. “Terrorismo é uma barbárie moderna que chamamos terrorismo” (Georg Shultz) “Terrorismo é um ataque a nosso modo de vida” (Donald Rumsfeld). “Terrorismo são os inimigos da liberdade” (Congresso dos EUA).

Os representantes dos 25 países integrantes da União Européia e de outros 10 da margem do Mediterrâneo, reunidos em Barcelona em fins de novembro de 2005 na Cúpula Euro-mediterrânea, muito menos se colocaram de acordo em uma definição de terrorismo. O general Leonid Ivashov, chefe do Estado Maior das forças armadas russas no momento dos atentados de 11-S e que, portanto, viveu os acontecimentos a partir de dentro, discorda radicalmente de seus colegas ianques. Na Conferência Axis for Peace 2005 afirmou categoricamente que o terrorismo internacional não existe, e que os atentados de 11 de setembro de 2001 foram uma montagem. Não se trata mais do que um terrorismo manipulado pelas grandes potências e não existiria sem elas. Ao invés de fingir uma “guerra mundial contra o terrorismo” seria melhor restabelecer o direito internacional e a cooperação pacífica entre os Estados Unidos e seus cidadãos, recomenda o general.

O uso manipulador da linguagem é tão antigo como o domínio de uns seres humanos sobre outros. Todos os dominadores, magos, religiosos, políticos, econômicos, intelectuais, etc, utilizaram as palavras para confundir, aterrorizar, ocultar e manter a ignorância sobre as verdadeiras relações de domínio e exploração. A linguagem, como o terrorismo, está dirigida aos civis e gera medo, exerce violência simbólica ou psicológica. Produz efeitos mais além do significado. As palavras são como minúsculas doses de veneno que podem ser tragados sem se perceber. À primeira vista parecem não ter efeito e, em seguida, em pouco tempo, manifesta-se na reação tóxica.

A arma mais letal é a linguagem. Sem palavras não há guerra. Nesse sentido é que comunicólogos e jornalistas se reuniram em Caracas, Venezuela, em março de 2008, no Primeiro Encontro Latino-americano contra o Terrorismo Midiático, quando chegaram à seguinte conclusão.

Declaração de Caracas do Primeiro Encontro Latino-americano contra o Terrorismo Midiático

1. Jornalistas, comunicadores e estudiosos da comunicação da América Latina, Caribe e Canadá, reunidos em Caracas neste Primeiro Encontro Latino-americano contra o Terrorismo Midiático, denunciamos o uso da falsificação pelas transnacionais informativas como uma agressão permanente contra os povos e governos que lutam pela paz, a justiça e a inclusão.

2. O terrorismo midiático é a primeira expressão e condição necessária do terrorismo militar e econômico que os países do Norte industrializado empregam para impor à humanidade sua hegemonia imperial e seu domínio neocolonial. Como tal é inimigo da liberdade, da democracia e da sociedade aberta e deve ser considerado como a peste da cultura contemporânea.

3. Em nível regional, o terrorismo midiático, utilizado como arma política na derrubada de governos democráticos de países como Guatemala, Argentina, Chile, Brasil, Panamá, Granada, Haiti, Peru, Bolívia, República Dominicana, Equador, Uruguai e Venezuela, está sendo empregado hoje para sabotar qualquer acordo humanitário ou saída política para o conflito colombiano e para regionalizar a guerra na região andina.

4. A atual luta democrática no Equador, Bolívia e Nicarágua, junto ao Brasil, Argentina, Uruguai e México, confirma a vontade política de nossas sociedades para desbaratar a agressiva e simultânea campanha de difamação das transnacionais informativas e da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Cuba e Venezuela representam com clareza os marcos mais vigorosos desta batalha ainda não concluída. Por outro lado, estamos obrigados a redobrar nossos esforços diante da dramática situação pela qual atualmente atravessa o jornalismo democrático no Peru, Colômbia e outras nações.

5. Este Encontro Latino-americano mostrou a necessidade de criar a Plataforma Internacional contra o Terrorismo Midiático, que convoca a um novo encontro, a ser realizado em um prazo não maior de dois meses, para o que atuará em conjunto com outras organizações como a Federação Latino-americana de Jornalistas (Felap), que no crescimento da consciência dos povos latino-americanos e caribenhos defendeu com exemplaridade o direito à verdade e ao distintivo que mantêm seus princípios: Por um jornalismo livre em pátrias livres.

6. Obstinada em criminalizar todas as modalidades de luta e resistência popular, sob pretexto de uma falaciosa noção de segurança, a administração fundamentalista de George W. Bush foi responsável pela sistemática agressão terrorista dos últimos anos contra os meios de comunicação alternativos, populares, comunitários e inclusive alguns empresariais.

7. A informação não é uma mercadoria. Tal como a saúde e a educação, a informação é um direito fundamental dos povos e deve ser objeto de políticas públicas permanentes.

8. Convencidos de que esta história começou há 200 anos, ratificamos o compromisso dos que nela nos precederam com o propósito de nos ajustar a um exercício ético de nossa profissão, apegados aos valores da democracia real e afetiva e à veracidade que se merece a diversidade de pensamentos, crenças e culturas.

9. Não só a SIP, mas grupos de choque como Repórteres Sem Fronteiras, respondem aos ditames de Washington na falsificação da realidade e na difamação globalizada. Neste contexto, a União Européia cumpre um papel vergonhoso que contradiz a heróica luta de seus povos contra o nazi-fascismo.

10. Na forja da unidade dos povos latino-americanos e caribenhos, os firmantes desta Declaração chamam os professores e estudantes de comunicação social a considerar o terrorismo midiático como um dos problemas centrais da humanidade. Convocamos os jornalistas livres a se comprometerem a redobrar seus esforços em prol da paz, do desenvolvimento integral e da justiça social.

11. Neste espírito, exortamos os chefes de Estado da América Latina e do Caribe a incluir o tema do Terrorismo midiático em todas as reuniões e fóruns internacionais

domingo, 12 de outubro de 2008

sábado, 11 de outubro de 2008

Machado, agora

Miguel Leocádio Araújo
Graduado em Letras pela UFC
Especializado em Investigação Literária pela UFC
Mestre em Literatura Brasileira pela UFC

No dia 29 de setembro de 2008, completaram-se 100 anos do falecimento de Machado de Assis. A data serviu de mote para uma série de homenagens à figura do escritor e para uma extensa revisão de sua arte, manifestações pouco vistas quando se trata de autores brasileiros recuados no tempo. Documentários, programas televisivos, chamadas em revistas eletrônicas, exposições, reedições da obra e um razoável leque opções de livros de crítica que pretendiam avaliar os processos escriturais do bruxo do Cosme Velho à luz das tendências do pensamento contemporâneo.

Ao que parece, todos estes produtos de uma sociedade que exerce seu cotidiano de modo cada vez mais acelerado, em que a idéia de permanência soa cada vez menos possível, vêm curiosamente negar estes atributos na medida em que elegeu um escritor e sua reconhecida genialidade como algo que nos traduz como nação. E assim, apesar do imediatismo e da superficialidade dos tempos que correm, Machado aparenta estar mais vivo do que nunca em seus livros, em sua história de vida cheia de lances cinematográficos (não sei por que sua biografia ainda não foi transformada em filme) e em seus clássicos traços de ironia e ambigüidade que verteram em frases memoráveis o olhar ao mesmo tempo agudo e enviesado para o homem brasileiro de seu tempo e, talvez, de todos os tempos. Tudo isso faz com que a leitura de textos como Memórias póstumas de Brás Cubas, O alienista ou Dom Casmurro seja, ainda hoje, fonte de prazer e descoberta de si, mesmo que as gerações mais jovens insistam em apontar a dificuldade de um vocabulário que supostamente não esteja adequado à facilidade do agora. Mas, para superar isso, é que existem as transcriações desses textos em suportes e formatos que inserem a leitura da palavra machadiana nos olhares contemporâneos, por meio dos quadrinhos, dos áudio-textos, do áudio-visual, do fanzine, do blog, entre tantos outros que surgem a cada nova respiração.

Pelo jeito, a imagem do Machado-escritor superou as expectativas que ele talvez tenha projetado para si, do mesmo modo que ele superou toda sorte de condições adversas, não sendo à toa que o crítico Harold Bloom, em seu livro O gênio, tenha colocado o autor de Memorial de Aires entre os mais inventivos autores do mundo em todos os tempos, ao lado de Shakespeare e Cervantes, ultrapassando as fronteiras de uma representatividade que não inscreve mais unicamente à língua portuguesa, mas que indica ter o que dizer ao homem de qualquer lugar, em qualquer época. 100 anos depois e parece que foi ontem.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Estócrita


Rodrigo C. Vargas

Não aconteceu uma, ou duas vezes. A cena se repete. Alguém jogando toda a culpa no Estado, em sua forma vertical, pelos atrasos e excessos. Será que não há nada de nós nesse monstro?

O Estado é hipócrita. Assim como nós, ele se permite transgredir as regras quando convém. Um bom exemplo é quando tomamos um empréstimo bancário. Se por qualquer razão não conseguimos pagar, nossos nomes vão parar numa lista de inadimplentes. Qualquer ação no mercado é impedida. Personae non gratae. Agora, quando um banco não consegue honrar seus compromissos, o Estado atua, em nome de uma economia saudável. O governo Lula assinou Medida Provisória, nº 442, que dá liberdade ao Conselho Monetário Nacional de definir o dinheiro que vai sair do Banco Central para comprar carteiras de crédito de bancos e instituições financeiras que estiverem em crise. Essas regras se estabelecem o tempo todo em nossas vidas. Quando cobramos uma saúde eficaz, e jogamos o lixo pela janela do carro. No momento em que amaldiçoamos o Estado, protestando por uma educação de qualidade, e desembolsamos uma fortuna para que colégios particulares preparem nossos filhos para o vestibular, e não para a vida. Segurança? Alguém sabe pra onde vai o dinheiro dos impostos? Você sabe com quem está falando? Tudo é reflexo do que somos.

Portanto, o mundo e seu conceito democrático não passam de uma grande piada azul. Concordo com Gandhi, você deve ser a mudança que quer ver no mundo. A dificuldade é enxergar que na terra, cabe muito mais que apenas dois pés. Pra iluminar a sombra de Jung, primeiro é preciso encará-la, entendê-la, e por último reprocessá-la. Estamos acostumados a pecar, sentir culpa, confessar, se redimir, e pronto! Estamos livres para outra. A conseqüência breve se torna inútil quando Deus está simbolicamente em outro plano. Uma escapadinha não faz mal. O bem e o mal, bipolarização miserável.

Tudo é amor! Não esse vendido pela propaganda de desodorante. É o respeito pelas diferenças, ou melhor, que diferença? O outro existe, e sem ele nada é, apenas está. É algo que não se pode tomar como individual, único, restrito e singular. Pluralizar, sim. Estamos em plena crise do dinheiro, abstrato por convenção. Criado para dar valor a tudo, fogo amigo. Quanto vale a vida? Esse preço é pago naquilo que menos exerce influência em nossa trajetória, mas debaixo da lupa, financia a crueldade de nunca sabermos realmente o que estamos fazendo aqui.

Anexo: A História das Coisas










quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Carnaúba

Sheila Oliveira
sheilaoliveira3@gmail.com
Fotógrafa

O Jesus histórico

(Salvador Dali)

José Correia da Silva
professorjosecorreia@yahoo.com.br
Graduado em Matemática pela UECE
Graduado em Física com HRE pela UEVA
Graduado em Teologia pelo Centro de Teologia Avançado de São Paulo


No Evangelho de Mateus (Mattityahu), no Capítulo 16, e nos versículos 13 ao 15, Jesus (yeshua) faz uma pergunta intrigante aos seus discípulos (talmidim), "quem dizem ser o filho do homem ?".É evidente que surgiram algumas respostas primárias e que por sua vez repercutiram em todo o populacho, por exemplo: alguns diziam que ele era Elias ou até mesmo João Batista ou um dos Profetas que havia ressuscitado; Entretanto, hoje, para alguns grupos sectários ou não, o Cristo foi apenas a encarnação de um Guru oriental, um dos Cristos cósmicos, uma pessoa que só pensava em fazer o bem, um político de boa reputação, um fundador de uma religião legítima, dentre outros. Todavia tudo isso é relativo se, por um leque de indagações nos for dada a oportunidade de conjeturarmos.

Se tomamos os testemunhos históricos, extra-bíblicos, como referência acerca de yeshua de Natzeret, poderíamos citar Flávio Josefo, historiador judeu (37-95) d.C; O Talmude, coleção de Doutrinas e comentários Rabínicos acerca da Lei de Moisés, elaborado à partir do 1º século da era Cristã; Os Anais de Cornélio Tácito, Historiador Romano, morto em 120 d.C; Caio Suetônio Tranquilo, Escritor e Senador Romano que viveu entre 69-141 d.C; Plínio, o moço, Governador Romano entre 62-113 d.C; Adriano, Imperador Romano, que viveu entre 117-138 d. C; Luciano de Samosata, Poeta grego do começo do 2º século; Júlio Africano, Cronologista, comentando os Escritos de um Historiador Samaritano chamado Talo, datados do ano 52 d.C; Marbar-Serápio, prisioneiro Sírio, escrevendo uma carta a seu filho, por volta de 73 d.C; Joseph Krausner, ex professor de literatura Judaica em Jerusalém, em seu livro "Jesus de Nazaré", diz: "Se apenas possuíssemos estes testemunhos saberíamos, efetivamente, que na Judéia viveu um homem, a quem chamaram o Mashiach (Messias), o qual fez milagres e ensinou o povo; que foi morto, por ordem de Pôncio Pilatos por denúncia dos Judeus mas que ressuscitou ao 3º dia".

Jesus possui uma contextualização tanto na filosofia, tanto quanto na religião, tanto mais na história e, por conseguinte na vida de pessoas que foram alcançadas por sua mensagem de amor e perdão, assombreados pela cruz do Calvário e guardados sob o manto da justiça de Deus (Adonai).

Qual a cor da tua parede?


Ana Valeska Maia
Graduada em Direito pela UFC
Graduada em Artes Visuais pela FGF
Mestra em Políticas Públicas e Sociedade pela UECE


"Para viver é sempre preciso trair fantasmas"
Gaston Bachelard.

Verifique bem as cores das tuas paredes. O que você vê? Existe alguma parede cinza ao seu redor? Repare agora dentro de você. Quantas? Uma, duas, muitas?
O que significa para nós as paredes cinzentas?

Quero falar sobre visão, miopia, cegueira, cores, seres humanos, medo, coragem e liberdade. Começo essa reflexão pegando impulso no "Ensaio sobre a cegueira", de José Saramago. Uma das passagens do livro expõe nossa relação com o medo. Evidencia a cegueira imposta pelo medo. A personagem é taxativa: "são palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegamos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos".

O cinza que estamos vendo por aí pode ser um tipo de cegueira, e nele mora o medo. É estranho falar de cinza e de medo em um mundo midiático que espalha tantas cores, tantos padrões de beleza, inúmeras promessas de felicidade. São os modelos de sucesso. Como em Matrix a paisagem é colorida, é hedonista, é portadora de uma estética do belo que promove um território propício para a fertilização das ilusões pré-fabricadas. Para ter as cores da alegria capitalista você precisa comprar, você terá que se adequar ao padrão imposto. Esse padrão fugiu do controle, como um vírus. Repleto de ardis, agindo sub-repticiamente, mistura todas as cores e você não consegue mais identificar o amarelo, o vermelho, o azul, o verde. A visão da promessa capitalista é colorida. O resultado concreto são as paredes cinzentas. A miopia. A paulatina e agonizante cegueira coletiva.

O perigo da sedução do consumo vem de sua ação hipnótica que nos satura com cores a ponto de nos cegar. Nosso desafio então é gigantesco e para encará-lo necessitaremos da coragem de um herói. Nosso desafio implica lidar com o desconhecido e nos convida para todos os dias reaprender a ver, a pensar, a ser, a sentir. O primeiro passo é o reconhecimento de que, nos jogos de poder, as regras não são explícitas. Nesse jogo, que todos jogamos, conscientes ou não, os participantes são envolvidos com amarras sutis e quase invisíveis.

Convivemos com regras implícitas. Esse reconhecimento é extremamente incômodo, pois nos arranca da ilusão. Nosso chão perde a firmeza, passamos a enxergar que o céu azul do consumo está cinzento, pesado, carregado com densas nuvens prontas para o turbilhão, para a tempestade. Michel Foucault procura delinear as regras implícitas, os micro poderes, as relações de força, a microfísica presente no poder. Alerta para a expansão desenfreada do controle, que exerce influência nas atitudes, nos comportamentos, em expressões e discursos, sem se identificar apenas com um nível geral de poder, como no caso dos poderes emanados pelo aparelho estatal. Trata-se do reconhecimento de que o poder está em toda parte, atravessa os indivíduos, está nas relações, age em rede, contamina:


O poder analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está na mão de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles. (FOUCAULT, 2006, p. 183)


Nossos campos, nossos espaços sociais, como argumenta Pierre Bourdieu (2003) são caracterizados por relações objetivas e específicas que envolvem investimento, capital, lucro e ganhos próprios, com suas crenças, seus jogos de linguagem, seus produtos materiais, simbólicos e sua hierarquia. Esses campos, por sua vez, possuem seus agentes, que, no exercício do poder simbólico, buscam a efetivação de uma realidade que tenta estabelecer um consenso, uma integração acerca da reprodução de uma dada ordem social. Um dos perigos de nossa cegueira coletiva pode ser traduzido no conceito de poder simbólico estampado por Bourdieu: poder simbólico que é "esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem". Subverter a cegueira exige o reconhecimento de um olhar ampliado, que é um olhar criativo e esperançoso. Perceber a realidade da cor que chama a iluminação em meio ao plúmbeo dia.
As paredes da democracia também estão pintadas de cinza. Sabemos que no Brasil existem máculas que já vêm de longa data, estruturantes de nosso viver coletivo, como a sociedade patriarcal, escravocrata e latifundiária, que desde cedo semeou a naturalização das desigualdades sociais. A herança do regime autoritário representa um fardo pesado para desconstruir, até porque atualmente tanto já foi introjetado que nos acostumamos a viver em uma democracia autoritária, com uma lógica de poder doentia que nos tributa a pobreza política, bem evidenciada pela lucidez do sociólogo Pedro Demo.

Desconfie, portanto, da inércia que sente. Identifique o cinza da tua parede. Nossa imobilização ou descrença no coletivo, nossos sonhos construídos com o intuito de satisfazer interesses particulares são uma armadilha preparada. Assim como são os modelos de felicidade e sucesso, as regras pífias de consagração e de exclusão. Não permita que sua potência crítica seja aniquilada. Tenha olhos para ver. Aprenda a reconhecer o que é arbitrário. Instigue resistências. Tenha coragem, pois a coragem é tão contagiosa quanto o medo. Deixe cair a tempestade, permita que a água flua e leve todo o cinza do teu céu. Tenha coragem para ver o que vem depois. Para ver a beleza é preciso coragem. São muitas cores, um arco-íris inteiro para você pintar as suas paredes.

Deseje. Seja inquieto, questionador, queira transformar. Escolha o que quer para si, tenha suas próprias cores. Traga essa energia para a política, desconstrua discursos hegemônicos. Contagie o mundo com coragem. Inspire-se em Exupéry, "só se vê o essencial com os olhos do coração", ou Goethe, "cinza, meu amigo, é toda teoria, mas a árvore da vida é sempre verde", ou, novamente, Saramago: "se podes olhar, vê. Se podes ver, repara." Portanto, repare. Veja! Não existe limite para as cores das tuas paredes. Vamos derrubar o cinza! Nossas paredes são coloridas!

domingo, 5 de outubro de 2008

Gestão social da valorização da terra

Valéria Pinheiro
ONG Cearah Periferia e representante da Rede Nuhab

O desenvolvimento urbano de Fortaleza é notório aos olhos de todos e todas que aqui moram. Mas vale destacar que tal desenvolvimento é percebido de maneira diferente, a partir do lugar que cada um de nós ocupa nesta cidade.
Para uma pequena parte dos moradores/as, Fortaleza se apresenta como espaço com boas opções para morar, divertir-se, trabalhar, enriquecer. Para a grande maioria, Fortaleza é o lugar da luta diária para sobreviver em meio ao caos urbano.

Não nos passa desapercebido que o Poder Público usou muitos recursos para a cidade se desenvolver tanto. Portanto, dinheiro de cada um de nós foi investido para o aumento e melhoramento da infra-estrutura urbana nas novas regiões de Fortaleza, para onde ultimamente têm se dirigido o capital imobiliário, os condomínios de luxo, as torres empresariais...

As terras nas cidades ficam cada vez mais caras, por terem seu entorno beneficiado com melhorias pagas por todos. As gestões municipais não conseguem diminuir o déficit habitacional nem melhor distribuir os equipamentos sociais muitas vezes por não poderem pagar o alto preço da terra urbana de qualidade. Valorização esta paga com recurso público e que “entra na conta” dos grandes proprietários.

O Estatuto da Cidade (lei 10.257/2001) - a lei nacional de desenvolvimento urbano - traz importantes instrumentos para que o Poder Público recupere para a coletividade parte da valorização urbana promovida por ações públicas ou privadas (obras públicas, alterações da norma urbanística ou na classificação do solo, etc). É o que chamamos de GESTÃO SOCIAL DA VALORIZAÇÃO DA TERRA.

Não estamos aqui tratando de mera orientação para os municípios. Está numa lei federal, e, como tal, deve ser obedecida por todos os/as gestores/as públicos. Precisamos ultrapassar a visão patrimonialista e agir no sentido da justa distribuição dos ônus e bônus do desenvolvimento urbano. Para, enfim, termos cidades melhores para todos e todas.

sábado, 4 de outubro de 2008

A sagrada condição de urgência

(Van Gogh)

Rodrigo C. Vargas

Um corpo imóvel, absolto. Deixado ao toque do tempo, respirando o ar poluído dos pulmões alheios. Alguém vê mais, além. Passos estranhos germinando afeição por um dos lados. Ninguém acredita cegamente no novo. As pontas dos dedos que antes faziam o sangue parado procurar caminho agora enxugam o suor de quem cansou, poro a poro. Naquele exato momento a distância quase acorda o impossível. Olhos entreabertos, braços estendidos. Troca de posição quase epilética, acatisia, sem perder os pés de vista. Agora, outro. Cada pedaço achado no quarto em que estávamos. Uma disputa silenciosa descontrai os músculos, colados. Um detalhe ofensivo, último fora de casa. Na saída, pego o que deixou. Ainda existe lá no canto. Que tal amanhã?

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O sentido da república brasileira

Rosendo Freitas de Amorim
rosendo@unifor.br
Licenciado em Filosofia e História pela UECE
Mestre e Doutor em Sociologia pela UFC

Nossa república foi erguida sobre os escombros de uma monarquia, que muito mais do que derrubada, ruiu ao primeiro golpe. Os militares, do exército, serviram de ponta de lança de uma mudança política há muito desejada pelos cafeicultores do Oeste Paulista e das classes médias urbanas, que começavam a identificar o governo monárquico como ultrapassado, preso a um passado escravocrata.

A extrema centralização do poder político no Rio de Janeiro, as posições conservadoras do Império, contribuiram para que as novas forças sociais, que se consideravam progressistas: cafeicultores paulistas, classes médias urbanas e exército se unissem em torno do projeto de um Brasil republicano. Há muito estas idéias vinham se desenvolvendo. O marco deste processo foi a criação do Partido Republicano em 1870.

Fundamentalmente, o objetivo maior de se instituir uma república no Brasil era oferecer maior autonomia política e econômica para as províncias, que passaram as se chamar de estados membros, que vieram compor os Estados Unidos do Brasil, cuja institucionalização ocorreu por meio da Constituição de 1891. Assistimos ao longo dos últimos 119 anos fluxos e refluxos em relação a centralização e a descentralização política do Estado republicano brasileiro. Porém, a preferência pelo presidencialismo como sistema de governo, revela, de forma incontestável, a prevalência do caráter centralizador do poder político no Brasil.

Há muitas interpretações, no sentido de defender que a Constituição de 1988 ampliou a força política dos munícipios. Em parte, isto é verdade, entretanto, em contrapartida houve um aumento das atribuições e responsabilidades destes entes políticos . Por outro lado, precisamos refletir sobre os fortes vínculos e as influências políticas que a União (governo federal) exerce atualmente sobre os municípios.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Entre o capital e o homem

Márcia Sucupira
Graduada em Direito
Mestra em Políticas Públicas

Estranha estrutura essa criada pelo homem. Originariamente pensado para determinar equivalências, em razão de nossa dificuldade em aferir o que tem maior ou menor valor, o dinheiro, na última metade do século passado, começou a adquirir uma importância por demais exagerada nas relações sociais, fato que foi acentuado pelas frustradas tentativas de implementação de sociedades voltadas pela repartição igualitária de riquezas denominadas de socialismo ou comunismo.

Outro sistema de distribuição de riquezas e equivalências não foi pensado, e o capitalismo adquiriu o status de único sistema sobrevivente. Livre de concorrências, talvez o próprio sistema tenha se descuidado em sua gestão e, num movimento desorganizado, trazido em si o germe de sua desestrutura, ultimada pela crise das bolsas americanas.

A possibilidade de falência do sistema de capital desperta o pânico das nações, conclama estadistas e cientistas que se concentram nesse tema e buscam alternativas para sua salvação.

Da observação dessa movimentação mundial em torno do capital, o que podemos perceber é que o homem passou a manter com o dinheiro uma relação de estranha e desapercebida subserviência, e o que antes era uma estrutura para equivalência entre coisas, passou a medir também relações entre pessoas, e o homem, em meio ao domínio do capital, não enxerga mais o outro homem, sozinho e individual, sem as aparas da equivalência determinada pelo dinheiro.

O homem se esquece de que o dinheiro é apenas uma criação da mente humana, maravilhosa, genial, mas apenas uma criação, que pode ser revertida pela própria mente humana. O grande medo é que o homem deixe de perceber que o dinheiro é uma estrutura e não uma criatura.