terça-feira, 23 de setembro de 2008

Gostaria que estivesse aqui


Zezé Medeiros
Filósofo e vocalista da banda Caco de Vidro (Cover do Pink Floyd)

Breath, breath in the air, don’t be afraid to care…
De repente embarco numa nave transdimencional, quem sabe, onde sons e imagens se confundem num túnel de quase morte, sei lá! Um homem morreu em sua casa na cinzenta Londres, em 15 de setembro de 2008, Wright estava com 65 anos e sofria de câncer. Deixou o registro de seus dedos (seriam dedos?!?) para humanidade como legado.

You gonna go far, you never gonna die…
Londrino, estudante de Arquitetura foi na escola que conheceu Roger Waters e Nick Mason, logo montando uma banda com a entrada do guitarrista Syd Barrett. Wright sempre contribuía com composições com umas duas ou três músicas por álbum, além de colaborar nos magníficos arranjos onde podemos citar: "Echoes" (do album Meddle), "Time" (do Dark Side of the Moon) ou em Wish You Were Here, onde seus teclados estão onipresentes, claramente visivel em "Shine on you crazy diamond", onde a guitarra de David Gilmour soma-se aos teclados em um amplexo de pura viagem.
Com o processo de domínio iniciado em Animals por Roger Waters e o sucesso a afetar as relações pessoais dentro do grupo, culminou com o seu afastamento na gravação do album The Wall, apesar de mais tarde participar dos shows.

Aprentemente é um coadjuvante, mas o certo é que Richard Wright foi elemento fundamental para a construção do som do Pink Floyd. De seus teclados reproduziam-se sons que iam desde pingos d’água, passando por ventos e tempestades até helicópteros, máquinas e sons do que ainda vamos criar. Richard Wright ainda compôs os álbuns solos: Wet Dream em 1978, Identity – com o codinome Zee - em 1984 e por fim Broken China em 1996, onde mostra toda sua maturidade como músico em composições e arranjos maginíficos.

Relax, I do believe it’s working good...
Foi Baudelaire quem sugeriu no século XIX: “embriagai-vos, de vinho poesia ou virtude, a vossa escolha”, mas o poeta ainda não conhecia os teclado de Wright, senão ele teria acrescentado “som” nessa opção inebriante. Careta que sempre fui, Pink Floyd foi a embriagues sem álcool ou THC que me projetou. Meus ouvidos adolescentes ao captar aqueles sons, sofreram tal impacto que até hoje ecoam no auge de minha meia-idade. Sons que romperam a barreira do fisiológico ao fundirem-se a tal ponto que os tímpanos viraram retina.

Lembro ainda hoje da viajem que foi quando fechei os olhos e ouvi o Umma Gumma pela primeira vez. Também do estado lisérgico que me deixou a vagar na praça do Ferreira, saindo do Cine são Luiz após ver “The Wall”.

Wright morreu sim, pois a evolução necessita desse sacrifício. No entanto procuramos registrar nossas marcas neste mundo, na crença de que a imortalidade da obra nos envolva num processo de continuidade. Assim não lamentarei, nem rolara uma lágrima sequer dos meus olhos, like black hole in the sky... Pois sei que o som daquele homem vai brilhar nos ouvidos dos meus netos, assim como já brilha no dos meus filhos.

Shine on your crazy diamond…

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Idiotas, sirvam-se!

(Jacques Louis David)

Rodrigo C. Vargas

No Século V a.C. da Grécia clássica de Atenas os homens livres se dedicavam à vida publica decidindo sobre os interesses coletivos reunidos em assembléia no Àgora. Nem todos participavam. Aqueles que negavam o direito cuidavam apenas dos próprios assuntos, ignorando o interesse coletivo, abandonando as assembléias. Esses homens eram chamados de Idiotas. O termo deriva do grego idiótes e refere-se ao homem particular, ao homem privado, em oposição ao homem de Estado, ao homem público. Assim "privado" e "idiota" são quase sinônimos. Idiota é aquele que não sai de si, que age como se tudo de que desfruta proviesse dele mesmo e como se o público devesse estar a seu serviço. Reconhece alguém? Platão apontou o abandono da vida pública como uma das causas da decadência de Atenas e que isso teria contribuído significativamente para a derrota para Esparta na guerra do Peloponeso. Milênios depois essa prática persiste e a guerra que estamos perdendo não é contra nenhum povo estrangeiro. Estamos sendo vencidos pelo espelho.

Entre gêmeos desiguais

Sérgio Medeiros
panambi@matrix.com.br
Tradutor e Professor de Literatura na UFSC

No dia 28 de novembro, o antropólogo Claude Lévi-Strauss completará 100 anos. Nascido em Bruxelas, de uma família de judeus alsacianos, Lévi-Strauss vive hoje em Paris, onde comemorará seu centenário, pois fez da França sua pátria. Autor de livros fundamentais, como Tristes Trópicos e Mitológicas (quatro volumes), Lévi-Strauss é considerado o maior antropólogo vivo e um dos grandes intérpretes da cultura ameríndia, tendo vivido no Brasil, onde estudou a cultura urbana e indígena do País, a partir de 1935. Para homenagear o célebre etnólogo decidi reler sua obra, ou, pelo menos, um de seus textos fundamentais, que resume suas grandes teses.

Publicado na França em 1991, o livro Histoire de Lynx (História de Lince), do antropólogo Claude Lévi-Strauss, atrai inicialmente o leitor pelas páginas bem-humoradas, destacando-se o prefácio, onde o autor afirma que seus estudos sobre mitologia indígena se situam entre os contos de fadas e os romances policiais, gêneros considerados fáceis de ler. Por isso ele se surpreende quando reclamam da complexidade de suas análises, embora admita que os quatro volumes que compõem as Mitológicas, publicados entre 1964 e 1971, possam ser difíceis. O fato é que Lévi-Strauss inventou, como os críticos reconhecem, uma nova linguagem para resumir e comparar mitos, um estilo inconfundível que começou a ser forjado nos anos 1950 e cuja verve e frescor perduram na História de Lince, um livro que retoma os anteriores, porém apostando na concisão e na simplicidade da exposição. Pode-se dizer que, nesse livro, Lévi-Strauss reviu toda sua obra e fez uma defesa contundente do método que sempre empregou para analisar os mitos. Clifford Geertz chega a dizer, num estudo sobre a originalidade do discurso antropológico, que “Lévi-Strauss não quer que o leitor olhe através de seu texto: quer que olhe para o texto”, situando-o numa linhagem literária que incluiria nomes como Baudelaire, Mallarmé, Rimbaud e em especial Proust. Quem freqüentar as páginas dessa obra-prima que é Tristes Trópicos, publicada em 1955, não ignorará sua assombrosa dimensão literária, digna de Mallarmé, caso esse poeta simbolista tivesse vivido na América do Sul, como já se afirmou.

Quando a Europa programava as comemorações dos 500 anos da descoberta da América, Lévi-Strauss lançou História de Lince e lembrou, em suas páginas, que houve invasão e destruição, não descoberta. O prefácio bem-humorado termina lamentando a destruição dos povos indígenas e de seus valores e anuncia um dos temas desse livro fascinante: o branco e o índio não seriam irmãos gêmeos? É possível sustentar essa hipótese?

A “descoberta” do Novo Mundo não teria agitado muito a consciência européia. Ao espanto inicial, nada espetacular, sobreveio certa indiferença, quando a cegueira voluntária do Velho Mundo se sobrepôs à evidência de que a sua “humanidade plena” não representava o gênero humano, mas uma parte dele. Para o século XVI, a descoberta da América teria confirmado, muito mais do que revelado, a diversidade dos costumes, como se nada de absolutamente novo tivesse sido trazido à luz. Outra teria sido, contudo, a reação dos índios quando se depararam pela primeira vez com os europeus recém-chegados ao seu território. Essas duas atitudes opostas são discutidas pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss em História de Lince, onde ele se debruça sobre o papel que os brancos exerceram no imaginário indígena, antes mesmo do efetivo desembarque dos europeus no Novo Mundo.

Para falar do nascimento dos gêmeos mitológicos, Lévi-Strauss resume as relações sexuais possíveis entre humanos e não-humanos, numa época em que as fronteiras ontológicas eram porosas e pululavam contatos inusitados no território ameríndio. Nesse sentido, além de conto de fadas e de romance policial, a análise estrutural pode incluir também a narrativa erótica, sempre atribulada e exuberante: certa jovem, por exemplo, que recusou todos os pretendentes, acabou levando uma vida solitária e se resignou finalmente a desposar uma raiz, com a qual teve um filho, que cresceu ao seu lado. À medida que, nesse livro, os diferentes mitos vão sendo apresentados, o leitor se depara com vegetais e animais sedutores e, sobretudo, já nas páginas iniciais, com o lince, um velho pouco atraente que se une a uma moça virgem. O casal vive feliz porque o lince é, na verdade, um rapaz belo e forte. Quem imagina que o príncipe encantado é tema exclusivo da literatura do Velho Mundo será surpreendido, na História de Lince, por uma galeria de heróis bem-apessoados, embora, inicialmente, todos se caracterizem pela má aparência e a idade avançada. Contudo, há sempre uma pele jovem sob a pele encarquilhada, e o feio oculta o belo. Das uniões sexuais entre esses heróis ambíguos (seres sobrenaturais) e moças cobiçadas pelos homens nascem os gêmeos ameríndios.

Na América do Sul, à época da “descoberta”, os povos indígenas temiam em geral os gêmeos (estes podiam ser mortos ao vir ao mundo), embora eles também fossem venerados, como sucedia entre os incas. Os mitos ameríndios, contudo, parecem se comprazer em apresentar, em todos os rincões do Novo Mundo, nascimentos de gêmeos, filhos do mesmo pai ou de pais diferentes, seja porque a mãe se relacionou com dois homens ou com um homem e um animal. Segundo a tese de Lévi-Strauss, isso poderia ser explicado pelo fato de que o mundo e a sociedade estão estruturados sobre uma série de bipartições. As partes, porém, não são iguais, uma é sempre superior à outra. É o que acontece com os gêmeos míticos: eles são diferentes entre si, um agressivo, o outro pacífico; um forte, o outro fraco; um inteligente e hábil, o outro desajeitado e tonto etc. Tampouco os seios das mulheres são gêmeos idênticos, lembram os mitos: um é distinto do outro, pois o peito das índias é assimétrico.

Entre as mais importantes polaridades míticas, Lévi-Strauss destaca a bipartição em índios e brancos. Ele constata que os brancos, logo após sua chegada, foram facilmente incorporados à gênese ameríndia, como se o lugar deles nesse relato mítico já tivesse sido previsto antes da invasão do Novo Mundo. A criação dos índios, afirma Lévi-Strauss, tornava necessário que o demiurgo também criasse os não-índios. O deus civilizador Quetzalcoatl, por exemplo, anunciou que viriam pelo mar, de onde o sol nasce, seres semelhantes a ele mesmo, cuja aparência, conforme acreditavam os índios, era a de um homem grande, branco e de barba longa. Porém, o mesmo e o outro, idealmente gêmeos, sempre se revelaram desiguais nos mitos e na realidade. Esse desequilíbrio era ainda mais forte entre brancos e índios. Ou seja, os gêmeos não são de fato gêmeos, conclui Lévi-Strauss, tudo neles contradiz essa condição. O filho do Velho Mundo e o filho do Novo Mundo entraram inevitavelmente em conflito, o que os mitos já previam. O índios não puderam ficar indiferentes à chegada dos europeus, mas tampouco puderam reverter a seu favor a superioridade numérica. Há um pormenor inquietante nesse conto de horror e mistério, inserido em História de Lince: o incapacidade indígena de opor uma resistência eficaz ao europeu, mesmo quando 20.000 homens armados, por exemplo, se defrontaram, no Peru, com um número inexpressivo de espanhóis. Essa paralisia terá muitas explicações, inclusive a de que o intruso inicialmente foi visto, pelos incas e pelos astecas, e talvez por outros povos, como uma antiga divindade desaparecida, cujo retorno era esperado e anunciado.

É possível especular como seriam hoje as sociedades indígenas se o “reencontro” entre os gêmeos tivesse ocorrido milhares de anos atrás. Depois de percorrer os Ensaios de Montaigne, um europeu imune à “cegueira voluntária” que acometeu os homens do século XVI, Lévi-Strauss lembra, numa nota de rodapé, que o filósofo lamentou que a conquista do Novo Mundo não tivesse se dado no tempo da Grécia ou de Roma, quando as armas respectivas seriam comparáveis e o contato não teria redundado no extermínio dos mais fracos. Esse belo mito, sonhado por Montaigne e recuperado por Lévi-Strauss, não foi ainda narrado por ninguém. Os gêmeos continuam desiguais, sobretudo nesta parte do mundo, como o demonstra a História de Lince.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

O negro no mercado de trabalho

Ivaldo Paixão
ivaldoama@bol.com.br
Coordenador Político do Movimento Negro Unificado

A constituição do mercado de trabalho no Brasil foi pensada de forma racializada. A população negra foi excluída por ser considerada racialmente inferior, portanto inviável para um país moderno. O mesmo negro que foi fundamental com a força de seu trabalho para o desenvolvimento econômico e construção da nação durante séculos de escravidão, passou a ser visto como um entrave para a nova ordem social advinda da abolição da escravatura.

Em 1872 o percentual de escravos no total da população brasileira era de apenas 15,2%. Este fato coloca um primeiro elemento importante, que é a convivência de dois tipos de trabalho: o trabalho escravo e o trabalho livre bem antes da abolição, sendo importante citar que os negros representavam 58%, os brancos 38,1% e outros 3,9% de brasileiros naquele período.

O discurso racista de inferioridade racial, associado aos males da escravidão(monocultura, latifúndio,etc...) e as teorias do racismo científico(uma raça superior a outra) apontavam para a inviabilidade de uma nação com população negra e mestiça, que estaria fadada ao fracasso. Daí a surgir a teoria do branqueamento foi um passo., pois os racistas achavam que o Brasil só teria progresso através do embranquecimento de sua população. Houve também uma preocupação de educar o negro moralmente para o trabalho livre com o objetivo de induzi-lo a considerar o branco como seu superior. Some-se a isso a ideologia da vadiagem que tinha como objetivo a vigilância, repressão e desqualificação dos afro-descendentes que transformava a ausência de emprego em uma opção do negro para não trabalhar considerando-o inapto ao trabalho em termos morais.

É bom relembrar que em função da teoria do branqueamento foi criada a figura do imigrante desejado, normalmente europeus brancos que tinham políticas de ações afirmativas como doação de terras e outros mecanismos de incentivo a imigração e por outro lado à imigração indesejada que dificultava e até chegava a proibir a entrada de africanos e afro-descendentes em alguns casos no Brasil, além da Lei da Terra de 1850,que proibia descendentes de quilombolas de assumirem a posse de áreas onde viviam e que só foi revogada pela atual constituição de 1988.

Ao fazer esta retrospectiva não fica difícil entender a atual situação dos afro-descendentes, vítimas de uma política deliberada de exclusão social principalmente em função do racismo ainda hoje lamentavelmente existente.

O Brasil é signatário da Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho-OIT que trata da discriminação racial no mercado de trabalho, porém as centrais sindicais denunciaram nosso país a OIT em 1992, por não cumprimento de algumas cláusulas. A Constituição Federal no seu artigo 3° inciso IV, a lei 7716(Lei Caó) e a Lei 9029 proíbem e criminalizam a discriminação no acesso ao emprego.

Várias pesquisas de institutos e fundações sérias ( IDH, IPEA, DIEESE, IBGE/PNAD, SINE, FGV, etc...) revelam o negro em desvantagem salarial em relação ao branco, o que nos leva a afirmar que as desigualdades passam indubitavelmente pela questão racial, que inclusive é mais forte que a do gênero pois o homem e a mulher negra ganham menos que a mulher branca quando ocupam a mesma função. Dentro das quinhentas maiores empresas do país, negros somam 23,4% dos funcionários, 13.5% com cargos de chefia, 8.8% gerentes e 1,8% executivos conforme pesquisa Instituto Ethos/ Fundação Getúlio Vargas. Na percepção de 1% das empresas não há negros nem entre funcionários.

Pertencer a uma família menos numerosa, ter mais acesso a educação formal, maior permanência na escola, são alguns dos fatores que contribuem para a configuração das desigualdades. Mesmo com origens idênticas, negros e brancos tem desempenhos diferentes, pois a educação atua como importante variável, porém não explica as diferenças de distribuição de renda quando o nível educacional é o mesmo. O Brasil dos brancos com Índice de Desenvolvimento Humano- IDH ocupando o 46° lugar e dos negros a 107° posição é prova inconteste da desigualdade racial. Segundo o Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualdades- CERT, pelo menos 6 de cada 10 casos de discriminação racial registrados em delegacias de São Paulo são em relação ao processo de admissão/ demissão. O requisito da boa aparência é um dos mecanismos criados para impedir o acesso de afro-descendentes no mercado de trabalho.

Cabe ao Estado um papel ativo e propositivo na questão racial, não basta dizer que o racismo é crime, efetivamente há que se implementar políticas específicas de ações afirmativas que contemplem a diversidade racial, pois a sociedade é heterogênea e a mesma deveria refletir isso, nesse cenário, políticas públicas que diminuam as diferenças estruturais como a baixa escolaridade e, ao mesmo tempo, conscientizarem a população da existência da discriminação ganham importância , de forma a garantir que a inserção e as oportunidades no mercado de trabalho ocorram de forma igualitária e justa, e para atingir este objetivo é necessário privilegiar os que sempre foram desprivilegiados , como é o caso da mulher negra que hoje infelizmente compõe a base da pirâmide no processo de exclusão social pois sofre os preconceitos de gênero e raça.

sábado, 13 de setembro de 2008

O sr. Costume e os 508 desaforos

(Goya)

Rodrigo C. Vargas

Respiramos a coercitividade de um mundo incoerente. Candidatos com processos na justiça? Que noção democrática é essa? Brecht me respondeu: “Pergunte a cada idéia: Serve-te a quem?” É social! A paranóia da exclusão aprisiona. O comodismo imposto reduz o povo a ser platéia. Assim penso eu, se culpar não fosse tão católico diria agora mesmo, sem medo: Somos o próprio mal. Na maior parte dos casos não há qualquer livre exercício de escolha ou de avaliação moral; ao contrário, estes homens nivelam-se à corpos inanimados, fantoches interligados pela vontade de ser igual. Por isso a submissão é plenamente aceita, e pior, disfarçada de bondade. Aquilo que acolhe, a mão forte que nos segura, afaga e aniquila; basta saber se o ameaçamos. Ainda que o Estado fosse composto por pessoas conscienciosas, continuaria a ter injustiça, pois a minoria fora dele poderia representar o medo de uma revolta. Nunca haverá representatividade! Basta entender que para quem governa, ação revoltosa é igual a recomeço.

Tudo já esclarecido em “Do Contrato Social” de Rousseau onde a única forma de exercer um poder legítimo seria por meio do contrato social, ou seja, o ato de alienação total dos indivíduos para com o grupo - Todos se dão completamente a todos. O governo passaria então a ser o segundo passo e não é a matéria de contrato. Seria apenas função e seus membros não seriam diferentes do povo. Como a vontade geral não poderia ser representada, Rousseau era contrário à idéia de representação no legislativo, diferentemente no executivo, já que não seria possível que o todo o povo governasse diretamente. Pois bem, só não podemos esquecer é que mesmo nesse modelo sobra o objeto de discórdia: o valor.

Portanto, primitivo, intelectual, defasado e moderno são apenas adjetivos pontuais numa mediocridade sem norte. Liberdade é produto vendindo em propaganda e não está agregada ao trabalho, e sim na disfunção produzida por seu reflexo. Tudo antes apresentado distintamente nos textos Maquiavelianos “Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio”, divididos em três livros: O livro I abordando o estudo das coisas internas ao Estado Romano; o livro II, os fatos externos a Roma e o livro III voltando-se novamente para os aspectos internos da vida política romana, no intuito de reconhecer os feitos ocorridos na cidade que colaboram para sua grandiosidade. Nesse mesmo livro, no capitulo I, Maquiavel compara a cidade a um corpo político composto por várias partes, os órgãos executivo, as leis, o poder legislativo, as magistraturas. A corrupção é identificada a uma doença que recaí primeiramente sobre alguma parte, mas pode minar o corpo todo.

A pergunta que se faz então é por que nada é feito se reconhecemos as raízes? A resposta não é simples, mas pode ter seu início aqui. Primeiro, por que assumimos o Homem Vitruviano como modelo estético e não filosófico. Vivemos a confortável expectativa de uma suposta evolução que nos faz buscar repetidamente o coito do amanhã, produzindo um esquecimento estratégico dos cânceres presentes. Alegorias costuradas ao prazer imediato, cachorros de Pavlov. N'est pas possible! A declaração de bens dos candidatos, e então São Tomé?

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

O clima é de insustentabilidade climática


Carlos Limaverde
Arquiteto e Urbanista.

Com a revolução industrial intensificada nos anos de 1800 desencadeou-se uma série de transformações por todo o planeta. Estas transformações, por sua vez, intensificaram-se a partir da 2° Guerra Mundial, onde ocorreu um grande crescimento urbano e industrial. Diante desse cenário, marcado pelo progresso e pela urbanização das grandes cidades, surgiram vários problemas, como por exemplo, as modificações climáticas. A atividade humana sobre a natureza, a grande quantidade de veículos, indústrias, prédios, o asfalto das ruas e a diminuição das áreas verdes acarretam profundas mudanças na atmosfera local, o que vai contribuir para modificar a temperatura, as chuvas da região e, também, a direção e a Velocidade dos ventos.

ILHAS DE CALOR
Ilha de calor é uma anomalia térmica, onde o ar da cidade se torna mais quente que o das regiões vizinhas. É o aquecimento de uma camada de ar mais próxima ao solo provocado pela grande quantidade de poluentes na atmosfera, principalmente devido à emissão de dióxido de carbono. Podemos também relacionar ao fato de o centro da cidade apresentar uma taxa de alta de calor, enquanto na periferia apresentar uma taxa bem mais reduzida. Estamos falando de uma variação de 3 a 5 graus centígrados.
As causas para a formação de uma Ilha de calor são também derivadas da utilização dos aparelhos de ar condicionado, dos refrigeradores, da fumaça dos automóveis, e fumaça das indústria, promovendo emissões de partículas na atmosfera, ensejando a alteração da qualidade do ar.

Por outro lado, a grande concentração de edifícios, que impede a chegada de energia na superfície e também em função das propriedades térmicas dos materiais urbanos, o calor é rapidamente absorvido durante o dia, mas facilmente liberado durante a noite, gerando uma grande amplitude térmica. Estamos aqui também argumentando que a desorganização urbana, da superpolução provocada hora pelo êxodo rural, hora pelo crescimento vegetativo dos habitantes também é fator de insustentabilidade nas cidades. A supressão da vegetação urbana, o Fortalezense adora cortar árvores, também contribui para a diminuição da umidade no ar causando à redução da evapo-transpiração aumentando a sensação de calor, sem contar ainda com o aterramento das lagoas e a ocupação das matas ciliares dos nossos sofridos rios. Para alguns este fenômeno passa a se chamar efeito estufa equivocando-se quem assim pensa devido o efeito estufa ser um fenômeno causado pela retenção do ar quente em camadas mais elevadas da atmosfera.

Como vimos, o fenômeno da ilha de calor está associado aos maiores índices de poluição da atmosfera. Este fato permite a ocorrência de doenças respiratórias, riscos fatais, principalmente em pessoas que possuem problemas cardíacos.
Para o leitor entender melhor este artigo vamos resumir as causas de maneira didática:

Fatores que provocam a formação de Ilhas de Calor:
· O efeito de interação/radiação e da poluição atmosférica por gases primários e secundários, também, tomam parte nas alterações locais associdas ás ilhas de calor urbanas;
· O uso de condicionadores de ar, refrigeradores, a fumaça dos automóveis e das indústrias provocam aumento do calor na área urbana;
· A grande concentração de edifícios impede a chegada de energia solar na superfície;
· As propriedades térmicas dos materiais urbanos permitem que o calor seja rapidamente absorvido durante o dia, mas, facilmente liberado durante a noite, gerando uma grande amplitude térmica;
· A impermeabilização do solo, asfaltamento, a retirada da vegetação e a diminuição de rios, lagos e mangues diminuem a evapo-transpiração e aumentam o calor.
· A falta de ventilação devido a construção de edifícios com o gabarito alto, isto é, com muitos pavimentos, sem os recuos permitidos pelo nosso código urbano, ou mais precisamente, permitido pela lei de uso e ocupação do solo presente no nosso plano diretor.

Exemplificando as várias ilhas de calor espalhadas pela malha urbana de Fortaleza citamos o bairro Aldeota, fortemente verticalizado e impermeabilizado possuindo picos de temperatura mais elevados do que a região da Maraponga, ainda com bastantes áreas verdes.

Fatores específicos em Fortaleza de agravamento do fenômeno e interação/radiação e poluição é a ineficácia das restrições para a circulação dos carros. Os carros de grande porte são extremamente poluentes liberam cerca de três vezes mais gás carbônico do que carros comuns e pouco se vê este controle. Em Fortaleza, nós temos muito pouco uso de GNV e álcool, que são boas soluções para a Poluição. O fortalezense não é estimulado, educado no trânsito e não tem segurança para se habilitar a usar mobilidade alternativa. Aqui não é popular o uso de bicicletas, e meios não poluentes. O uso de condicionadores de ar e refrigeradores são extremamente necessários devido ao clima de Fortaleza.

Estes são fatores que agravam intensamente a formação do fenômeno” Ilha de calor”.
Dados de 2005 da frota de veículos de Fortaleza:
· Automóvel - 326.372 veículos
· Caminhão - 16.080 veículos
· Caminhão trator - 2.020 veículos
· Caminhonete - 24.770 veículos
· Microônibus - 2.078 veículos
· Motocicleta - 82.722 veículos
· Motoneta - 2.699 veículos
· Ônibus - 4.628 veículos
· Trator de rodas – 24 veículos
(461.000 veículos aproximadamente)

Concluindo, lamentamos o desmonte do sistema de fiscalização urbana, órgãos que deveriam estar presentes , educando, fiscalizando , orientando o sistema de planejamento e gestão da cidade de Fortaleza. Reformas administrativas desativaram o IPLAM – Instituto de Planejamento do Município e a AUMEF – Autarquia Metropolitana de Fortaleza que representavam os instrumentos de gestão democrática e os órgãos a eles vinculados.

Lembro ainda, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano, e a Comissão de Avaliação Permanente do Plano Diretor que está presente no Estatuto da Cidade – Lei 10257/2001 ineficazes. Para a iniciativa privada, quanto menos controle existir melhor. Os índices urbanísticos de construção e relacionados aos espaços urbanos são desrespeitados e obras surgem por força de liminares ( 50 na minha última avaliação) e consolidam-se sem licença, agravando ainda mais as condições de sustentabilidade climática de nossa cidade.

domingo, 7 de setembro de 2008

Cinema brasileiro - Um encontro de mundos

Rosemberg Cariry
Filosófo e Cineasta.

Uma das poucas vantagens do chamado processo de globalização é que, ao impor um discurso hegemônico, provoca uma reação. Enquanto a elite cinematográfica brasileira faz de tudo, na tentativa de conseguir uma parcela ínfima do mercado, a maioria reage e luta com as armas disponíveis, com destaque para uma arma de baixo custo chamada “bom senso”. À medida que aumentam as formas de controle das chamadas "indústrias de consciências" e a hegemonia dos produtos audiovisuais norte-americanos, crescem também, na mesma proporção, as possibilidades de transgressão, de afirmação das artes e culturas diferenciadas. Em todo o mundo, como reação às tendências do mercado, busca-se a independência, a originalidade, a profundidade, a radicalidade, as novas posturas políticas, as novas estéticas e as novas éticas. Se a cultura de mercado, fácil, rasteira, sem odor e sem inquietações representa o espectro nefasto da globalização, as sociedades que sofrem com esse processo brutal de dominação terminam por gerar anticorpos contra a doença e estabelecem novos paradigmas. No Brasil, esta reação, pouco a pouco, já se inicia nas artes: na música, no teatro, na dança, na literatura, no cinema. Não obstante estes movimentos transformadores, a situação geral no Brasil ainda é de subdesenvolvimento, como uma tragédia mental, e os tesouros mais preciosos, as manifestações da cultura dos povos do Brasil são desprezadas pela mídia, ignoradas pelos artistas mais importantes e jogadas no lixo da história pela incultura de uma elite que se perdeu da nação e de si mesma.

Tenta-se, no Brasil, livrar-se das culturas populares como quem se livra de uma peste. As mais belas e sofisticadas manifestações artísticas são identificadas como atraso, como o passado do qual devemos nos livrar com urgência para parecermos modernos. Resultado: estamos nos transformando em uma cópia malfeita e mal digerida do que há de pior no mundo.

A antropofagia já está dando indigestão. O Brasil está na contramão da história, e fazemos exatamente o contrário do que já fazem muitos países europeus que buscam uma valorização das culturas diferenciadas, das línguas, dos dialetos, das tradições, dos grupos de identidade. O Brasil precisa viver um novo tempo, sem cair na armadilha de um nacionalismo estreito. A nossa melhor arte será aquela que melhor traduzir a nossa diversidade e recriar a nossa herança de humanidade, a nossa cultura múltipla, mestiça, sincrética e universal. É urgente que nos encontremos, novamente, com o homem brasileiro/universal: o herói de mil faces. Somos um povo à procura da própria alma. A salvação do Brasil é a sua cultura, por ser herdeira das principais vertentes das culturas do mundo (ameríndias, latinas, ibéricas, mediterrâneas, árabes, judaicas, africanas, orientais...) e por trazer em si um projeto de universalidade. O filme capaz de "aparecer" no mundo, ou mesmo de conseguir um pequeno nicho de mercado setorizado, é o filme que tenha características brasileiras sem deter-se em um regionalismo fechado ou no folclorismo.

O Brasil é um encontro de mundos que gerou uma nova cultura. Precisamos lapidar os diamantes dos arquétipos, trabalhar com as heranças milenares herdadas dos povos transplantados, doadas pelos povos autóctones e reinventadas pelos povos mestiços. Somos agentes de um novo processo civilizatório, plural, mestiço e tropical e podemos nos integrar à modernidade, sem negarmos nossas tradições e sem desprezarmos as conquistas tecnológicas e as experiências de vanguarda da contemporaneidade. Urge reescrevermos a nossa cultura na sua destinação histórica de universalidade e religarmos essa nova cultura tropical e mestiça, nascida da contribuição de mil povos, com as vertentes culturais fundadoras, provocando novos encontros, novos conflitos, novas soluções e o conseqüente surgimento de novos signos culturais. O Brasil precisa saber que adormeceu em cima de um importante tesouro. Muito mais do que ouro ou petróleo, esse tesouro é a enorme diversidade cultural dos muitos povos e etnias que habitam as várias regiões do País. Jackson do Pandeiro e Pixinguinha já nos tinham ensinado o ritmo; Manuel Bandeira e Cartola, a poesia mais delicada; Graciliano Ramos e Luiz Gonzaga, o sertão; Mário de Andrade e Ariano Suassuna, a cara; Aleijadinho e Conselheiro, a alma; Oscar Niemeyer e Vitalino, a forma; Humberto Mauro e Manuel Bandeira, o lirismo e Nelson Pereira e Glauber Rocha nos deram "régua e compasso", e, nas sombras da década de sessenta, Hélio Silva, Luiz Carlos Barreto e Ricardo Aronovich, já tinham esculpido com luz rostos, alguns rostos para o povo brasileiro.

A Semana de 22, o chamado romance regionalista de 30, a música de Villa-Lobos, a Bossa Nova, o Cinema Novo, a Tropicália, o Movimento Armorial, o Mangue Beat... todos os mais importantes movimentos de renovação das artes e das culturas do Brasil sempre nasceram do encontro de setores avançados da pequena classe média com as manifestações mais profundas das culturas populares brasileiras. Nesse momento, nós, cineastas, temos mais a aprender do que a ensinar. O povo é generoso e, mais do que moderno, é eterno. Em um mundo em crise em brutal processo de globalização, só existe uma saída: buscarmos a nós mesmos até a raiz da alma e vivermos um tempo de encontro com o "outro", com o mundo, pelo viés da cultura. Mas o que buscamos? Que teatro? Que dança? Que artes plásticas? Que literatura? Que cinema? Qual a jóia mais preciosa que poderemos oferecer a nós mesmos e ao mundo? Será que o modelo de filmes industriais, como simulacros dos filmes da Motion Pictures, é o único caminho para o cinema brasileiro? Poderemos ter uma indústria de cinema como Hollywood?

O Brasil tem como bancar economicamente um desafio dessa proporção, quando nem mesmo os cinemas industriais dos países europeus conseguem fazer frente à hegemonia norte-americana? E, mesmo se pudesse, é esse o nosso caminho? A guerra mais importante que se trava no mundo dito globalizado não é apenas com bombas e aviões, mas também com satélites. É a guerra digital, a guerra audiovisual, a guerra pela conquista das almas. Uma guerra movida pela conquista de mercados, em que os novos deuses são as mercadorias (concretas ou simbólicas) e a suprema felicidade, o consumo. Diante da hegemonia e do massacre da indústria de audiovisual transnacional, qual seria um outro caminho para o cinema brasileiro? Acreditamos que o primeiro passo seria reconhecer que o Brasil já tem várias culturas populares, múltiplas em belezas e cores, culturas expressas no florescimento do caos urbano dos grandes centros, nos reisados, nos maracatus, nas festas de Iemanjá, nos carnavais, nos bumbas-meu-boi, nos artesanatos, nos rituais indígenas, no revigoramento da literatura de cordel urbana, nos hip-hop que bebem nas tradições dos cocos e dos repentistas, nos grafites das grandes metrópoles, etc.

O Brasil já ensaiava formas, cores, poéticas, sons e movimentos, bem antes de pensarmos em reinventar o cinema tropical. Não podemos pensar em uma indústria audiovisual no Brasil sem levar em conta todas essas cores e sons, todas essas histórias e poéticas construídas pelos povos do Brasil. Não podemos dar um salto no futuro sem os pés firmes no nosso próprio chão. Não existe futuro sem a certeza do presente e o reconhecimento do passado. Se a cultura é uma conquista, não deixa também de ser uma herança. O Brasil não pode continuar envergonhado de si mesmo (“achando feio tudo que é espelho"), importando modelos culturais descartáveis, com uma fome voraz e insaciável, para combater a sua própria cultura sob a justificativa de que não temos uma cultura digna e de que seria preciso transplantar uma nova cultura, moderna, branca, inodora, globalizada.

A macdonaldização do cinema brasileiro é suicídio e não temos o direito de cometer um suicídio, nesse momento de crise profunda. É necessário realizar um cinema brasileiro contemporâneo, com uma estética enraizada na riqueza e na diversidade das culturas populares brasileiras que herdaram e recriaram as culturas do mundo; um cinema que trabalhe a universalidade no particular e a diversidade no singular. Precisamos buscar os mitos, os arquétipos, as lutas, as utopias, o cotidiano, a tragédia, a alegria, a força e o frescor de nossa cultura herdeira do mundo. Trata-se de um ato de generosidade. Devemos ofertar a nós mesmos e ao mundo o nosso bem mais precioso: a nossa própria alma, a alma brasileira. Só existirá um cinema brasileiro quando ele for expressão dos imaginários das diversas nações que formam a riqueza e a diversidade cultural dos povos que habitam as várias regiões do País.

O mundo inteiro começa a reagir e se proteger da barbárie audiovisual globalizada, enquanto o Brasil, numa submissão vergonhosa, própria do subdesenvolvimento mental, aceita todo o "lixo cultural" imposto como sendo a modernidade possível... e tardia. Este estado de coisas não pode continuar. Outra grande questão que se coloca para o nosso cinema, além da sua expressão como reflexo do Brasil profundo, é: como poderemos realizar os nossos filmes como expressões da nossa própria cultura? Como poderemos conquistar o nosso próprio mercado? Como poderemos fazer os nossos filmes circularem entre os povos? Como poderemos romper com os círculos de dependência? A resposta é que precisamos fazer filmes: filmes de todas os formatos e bitolas. Para realizarmos esses filmes não precisamos de grandes somas de dinheiro, nem de grandes aparatos tecnológicos. Poderemos realizá-los com câmeras de 35mm ou de l6mm, com câmeras de vídeo betacam ou digitais, basta que sejam democratizadas as fontes de financiamento e incentivado o surgimento das produtoras independentes. Podemos usar as novas tecnologias sem achar que isso nos salvará, da mesma forma que não devemos ter medo de usar as velhas câmeras e de sermos, por isso, considerados ultrapassados.

Hoje, qualquer velha câmera leva uma enorme vantagem técnica em comparação com as câmeras que Chaplin, Eisenstein, Vertov ou Fritz Lang usaram para realizar as suas obras-primas. O importante não é usarmos a última câmera lançada em Hollywood ou uma BL II, uma câmera digital ou uma velha Arriflex II C; o importante é termos alguma coisa realmente essencial para dizer. Podemos fazer cinema sem os grandes aparatos e as maquinarias pesadas. Podemos usar as luzes do ambiente e as trevas, as lanternas e os faróis de carros, os pedaços de espelhos que refletem o sol e as réstias de luz que entram pela janela. A luz de graça e a lua da graça. Hoje a grande sensibilidade dos negativos e dos suportes magnéticos ou digitais permitem filmar com pouquíssima luz. A luz do espírito é a única que não pode faltar. A realização do cinema brasileiro independente passa pela organização e pelo planejamento de um novo modelo de produção. Antes de o Dogma 95 ser modismo entre nós, Humberto Mauro, Linduarte Noronha, Glauber Rocha, Geraldo Sarno, Eduardo Coutinho e muitos realizadores do Cinema Novo nos tinham ensinado lições preciosas demais para serem esquecidas. E esses cineastas, mesmo sem recursos financeiros e técnicos suficientes, já realizavam um cinema importante, reconhecido no Brasil e no exterior.

Bem antes do Cinema Novo, a Vera Cruz pagara um alto preço para nos mostrar quais eram os caminhos errados, e a chanchada nos ensinava um país cheio de graça. Se não existe um caminho para o cinema brasileiro, sabemos que o andar faz os caminhos e que as veredas abertas pelos que vieram antes precisam ser alargadas e contemporaneizadas. Um destino pode ser feito com o que se tem nas mãos. É necessário produzirmos muitos filmes (que cada filme tenha a medida das suas necessidades), culturalmente significativos e tecnicamente bem elaborados. "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha e "Vidas Secas", de Nelson Pereira dos Santos, são importantes não porque custaram pouco ou muito dinheiro, mas porque traduziram um momento fértil de transformações estéticas, culturais, econômicas e políticas da história do nosso país. O desafio é fazer bons filmes, se possível com baixos custos.

Um cinema brasileiro, feito no Brasil, para os povos brasileiros e para os outros povos do mundo, só será possível se contar, não só com a cumplicidade de grupos de realizadores, produtores e exibidores brasileiros, mas também com o apoio de redes de cooperações e de co-produções com o cinema independente internacional, que contestam a hegemonia hollyoodiana, inclusive dentro dos Estados Unidos da América. Os nossos parceiros prioritários deverão ser os povos fundadores da diversidade cultural brasileira. Precisamos nos encontrar com essas vertentes fundadoras da multiplicidade da nossa cultura para nos revigorar e também fecundá-las com o sopro da mestiçagem e da diversidade. Um encontro feito de desafios e de generosidade. Que sejam estabelecidos novos pactos de cooperação com intercâmbios de equipamentos, fitas, negativos, técnicos, laboratórios alternativos, serviços de pós-produção, distribuição recíproca, etc. Estaremos inaugurando, assim, um novo processo de universalização das culturas dos povos baseado na diversidade e na reciprocidade. Os independentes estrangeiros virão ao Brasil participar das nossas produções e os independentes brasileiros irão aos seus países para retribuir a colaboração. Técnicos independentes brasileiros e estrangeiros (convidados) defenderão uma nova pátria: o cinema. Os filmes realizados no Brasil serão filmes brasileiros, visceralmente ligados à cultura brasileira. No entanto, no Brasil e no exterior, defenderemos uma mesma idéia: o direito dos povos às suas próprias imagens, à reciprocidade e à universalização dessas imagens. O nosso cinema deve ser um cinema radicalmente brasileiro: tropical, sincrético, mestiço e universal. Um cinema que, por ser brasileiro, pertence ao mundo, já que a cultura brasileira não pertence apenas ao povo brasileiro, mas é, também, um patrimônio de toda a humanidade.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O carregador de lâminas

Pintura digital
de Weaver Lima
weaverlima@hotmail.com
Fortaleza-CE

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Clima = Violência

(Cândido Portinari)
Coordenador Geral da CUFA (Central Única das Favelas) no Ceará.

A história brasileira, desde o seu nascedouro, se fossemos fazer uma analogia policialesca, teríamos no Boletim de Ocorrência, alguns crimes que poderia classificar aqui de hediondos, vale destacar o assassinato de milhões de índios pelo colonialismo europeu, em seguida, a prisão, comercio e trafico de negros da África para o Brasil e para fechar o B.O. temos ate hoje os saques dos nossos recursos naturais.

Vou partir desses três crimes para ilustrar como as mudanças climáticas, resultantes de um modelo de produção e consumo do capitalismo globalizado intervem diretamente na vida das favelas e dos herdeiros e herdeiras órfãs que foram despejados pela tão comemorada abolição. Esse despejo histórico, foi uma estratégia, segundo alguns intelectuais, o melhoramento da raça, leia+se ideologia do embranquecimento. Essa política, exilou milhares de cidadãos e cidadãs dos direitos básicos de sobrevivência, a historiografia oficial logo se encarregou de construir uma versão passiva e pseudo-democrática, aproveitando a chegada dos imigrantes europeus, que ocuparam os cargos, os empregos, as terras e usufruíram dos benefícios de uma terreno construído com a mais de três séculos e meio de escravidão.

Passado mais de meio século, a fatura de uma sociedade apartada social e racialmente e saqueada nos seus recurso naturais por um modelo de desenvolvimento que sacrifica os povos do sul terceiro mundista para manter os padrões de vida insustentáveis dos povos europeu e da América do Norte, começam a apresentar suas conseqüências.

O pensamento ocidental, impôs um olhar único de ver o mundo, uma religião única e um Deus único, foi mais longe, impôs também um modelo agrícola, baseado na monocultura (cultura única), que condena ate hoje a nossa biodiversidade a morte, e milhares de centenas de família principalmente a da campo a fome e a miséria.

Recentemente foi aprovado pelo governo o uso de sementes transgenicas, essas sementes, em toda e Europa foi adotada o principio da precaução, em nosso pais, ela já estão presente no meio ambiente, e as conseqüências são irreversíveis, já que através das correntes de e da sua penetração no solo, elas podem se espalhar contaminando plantações inteiras, o que compromete ainda mais a soberania alimentar do nosso povo, logicamente numa sociedade capitalista, as mesmas empresas multinacionais interessadas no plantio dessas sementes, são as mesmas que apresentam os chamado defensivo agrícolas, a grosso modo, os venenos para combaterem as pragas. Elas também defendem que só se pode ter a semente quem puder comprar, logo elas querem dominar todas as nossa sementes.

Esse modelo gera condições de vida subumanas no campo, criando uma verdadeira avalanche de imigração internas o que chamaremos aqui de refugiados ecológicos. Esses refugiados ecológicos, exilados do próprio pais sem nunca se quer ter saído deles, podem ser visto em qualquer grande centro urbano, nas ruas, nos viadutos, ocupações , áreas de riscos. Fortaleza pro exemplo recebe algo em torno de 40 mi pessoas, desencadeando um processo de aumento dos números de favela, população de rua. Os impactos das mudanças climáticas tem sido o resultado da opção por esse modelo colonial de desenvolvimento.

Na cidade alem do aumento de favelas, temos a especulação imobiliária, que cada vez mais ocupa nas cidades do nordeste em particular a orla expulsando pobres e pretos para locais distantes. Os ecossistema como o mangue, estão em extinção, destruindo serviços ambientais fundamentais como resgate de carbono, rios, lagos e a biodiversidade marinha. O relato do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o famoso IPCC, aponta a elevação do nível do mar, outra mudança climática que atingira em cheio as favelas, já que elas estão desprotegidas do ecossistema que retém a água do mar e a especulação imobiliária aterra dezenas de quilômetros de praia para privatizar mais um recurso natural, dessa vez o solo, o que já podemos ver todo o inverno com as enchentes.

A relação, mudanças climáticas, modelos de desenvolvimento , racismo e recursos naturais, estão intimamente ligadas, ao contrario do que dizem alguns desavisados, que isso e papo de classe media que não tem o que fazer.