sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Nostalgias aromáticas


Daniel Lins
Sociólogo, filósofo e psicanalista, com doutorado em Sociologia - Université de Paris VII - Université Denis Diderot (1990) e pós-doutor em Filosofia pela Université de Paris VIII (2003).

Na arte culinária da Ásia, a China ocupa um lugar preeminente. E, afora a Ásia, o ocidente se deixa paulatinamente se domesticar pelos aromas da China, ora imperceptíveis, ora demasiadamente acentuados, cuja gastronomia é signo de distinção, prazer lícito de compartilhar. Não se come para « encher a barriga », mas para entrar em relação com o cosmos, com a humanidade no plural ; não existe a arcaica separação ocidental entre natureza e cultura.

A mesa, o banquete é para o chinês um momento de sagração em que uma teologia do estômago une todos em torno do grande TODO : o mundo ampliado, para além do homem. A culinária é uma das expressões da civilização marcada pelo panteísmo : tudo é humano, tudo é divino. A dualidade é um cacoete gramatical.

Confucius (551–479 AV JC) ignorava a arte de guerra, mas conhecia a gastronomia. O conjunto das tradições culinárias é um tesouro da humanidade, que sobreviveu, inclusive, à Revolução Cultural de Mao Tse-Tung !

Na China contemporânea, almoço festivo e banquetes oficiais perduram. O prestígio, o conhecimento e a simbólica vinculados a arte culinária estão inseridos à ordem/caos do universo. O ocidente conhece pouco as tradições das cores dos pratos chineses, a expressão de seus aromas, receitas defumadas e sabores proustianos carregados de nostalgias aromáticas ou memória-involuntária.

Sabe-se apenas que existe na China cinco estilos culinários regionais : Cantão, cidade da grande gastronomia, Pequim, com seus saborosos pratos às mil especiarias, e três outras da célebre e refinada Escola de Setchouan, de Fou Kien e de Honan que fazem na bolsa de valores a alegria de alguns empresários, sobretudo ao desenvolver receitas adaptadas, ou ao manter a tradição milenar do pato laqueado. Ave da família dos anatídeos, aquática, o pato é conhecido na China há mais de dois mil anos. É apreciado pela qualidade de sua carne e seu fígado, o famoso foie gras, importante na gastronomia e economia francesas. Quanjude, a mais antiga empresa de pato de Pequim, com quase 150 anos, entrou na Bolsa em 2007, calcula alcançar o lucro de 8 milhões de dólares/ano. A barraquinha de pato, fundada em 1864, sob a dinastia Quing (1644-1911), é hoje uma empresa que mantém 15 restaurantes e 60 franquias, 5 fora da China. Em 2007 foram vendidos 3 milhões de patos. Durante as Olimpíadas, turistas provaram panquecas de pato e outras guloseimas. Eis uma das receitas que engrossa à fortuna de Quanjude, o pato laqueado:

Ingredientes :

3 colheres (sopa) de 6 especiarias misturadas: coentro seco em grão, cravo, canela, cuminho, gengibre em pó, noz-moscada.

1 pato de um quilo e meio.

10 colheres (sopa) de molho de soja.

10 colheres (chá) de mel.

Suco de 2 laranjas e 2 limões;

1 copo d´água.

Modo de preparar :

A. Preaquecer o forno (230°C) durante 15 minutos; a seguir, colocar o pato inteiro para assar, previamente limpo. Durante esse tempo, preparar o molho com o suco de laranja e limão, a água, o molho de soja, o mel e as 6 especiarias, previamente misturadas. Com um pincel, besuntar o pato; uma vez aromatizado, levá-lo ao forno durante 20 minutos.

B. Retirar o pato e abaixar o forno para médio. Besuntar outra vez o pato. Deixá-lo no forno 5 minutos.

C. Retirar o pato do forno, virá-lo e com um pincel repetir a operação.

D. Colocá-lo outra vez no forno durante 1 hora; com o pincel repetir a operação a cada 20 minutos. Uma vez pronto, cortar o pato em pequenos pedaços. Aproveitar todo o molho. Servir com arroz branco.Um vinho tinto seco, de qualidade superior, acompanha esse prato.

A China e a França são hoje os dois países cuja arte de comer bem se reverte em riqueza cotada na bolsa. Mas, se há um nome, na França, e um lugar associado ao pato, é Frédéric, chefe do restaurante parisiense La Tour D’Argent. A receita do “Pato à Imprensa” ganhou celebridade.

A técnica consiste em servir tiras de filé de pato aromatizado com um molho à base de conhaque e vinho Madeira e especiarias secretas. O sucesso levou Frédéric a numerar cada prato servido. O “Canard à la Presse” entrou na História, a partir de personagens históricos: o numero 53 211 foi servido ao imperador Hiro Hito, o 185 387 à rainha Elizabeth e o número 253 652 a Charles Chaplin.

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